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Até quando?

Parlamento brasileiro abre mão de utilizar dispositivos legais que podem e devem ser usados em momentos críticos
POR Monalisa Soares
Foto: Isac Nóbrega/PR

Parlamento brasileiro abre mão de utilizar dispositivos legais que podem e devem ser usados contra o governo federal em momentos críticos

Monalisa Soares
monalisaslopes@gmail.com

Estamos há um ano presos(a)s nessa espiral que tomou conta de nossas vidas: a pandemia de Covid-19. Entre ondas que arrefecem e agudizam, a angústia perene e mortes diárias. No Brasil, como tantas vezes dito, não bastasse o combate a um vírus cada vez mais transmissível e letal, temos, desde o início, que lidar com um governo que não deu a devida importância a um problema que traria consequências inestimáveis para a saúde e a economia – em suma, para a vida de milhões de seus habitantes. A lista de impropérios neste ano, sabemos de cor: “é só uma gripezinha”, “tenho histórico de atleta”, “eu não sou coveiro”, “não compraremos vacina chinesa”, além das inúmeras propagandas de um suposto tratamento precoce amplamente questionado por autoridades médicas mundiais.

A 2ª onda de Covid-19 trouxe o colapso do sistema de saúde em níveis alarmantes e o recorde de casos e mortes diários, desde o início da pandemia no Brasil. Na última quinzena, somos o país que mais registra casos e mortes no mundo, passando a responder por um terço dos óbitos mundiais. O que torna mais trágica a nossa situação é o fato de haver, a esta altura, diversas saídas comprovadas que contribuiriam para reduzir esses danos: políticas de distanciamento social rígido, uso de máscara e vacinação em larga escala. Mas o governo federal boicotou todas as saídas. Atuou, inclusive, em completa dissonância em relação aos aliados no espectro ideológico, como Israel, que apostou tanto em lockdown, quanto na vacinação, para superar o quanto antes o quadro nefasto da pandemia – e que agora experimenta a expectativa real de retorno à normalidade, com mais da metade da população vacinada.

Na última semana, Bolsonaro fez um pronunciamento afirmando que 2021 seria o ano da vacinação. Entendido como sinalização a uma carta assinada por banqueiros e economistas, que havia sido veiculada dias antes, assim como uma reação ao cenário de deterioração que vem impactando a sua aprovação, o discurso do presidente foi escrutinado por opositores e pela mídia, tendo suas contradições colocadas à mostra. Nos dias seguintes, Bolsonaro, seguindo o script de outros momentos, quando se esperou dele uma “capitulação”, recuou e voltou a defender as posições cientificamente questionadas de antes. Neste caso, argumentou em live que a população consultasse médicos para conseguir o quanto antes alternativas de tratamento precoce.

Outro movimento buscando concertação foi uma reunião com os chefes dos demais poderes: Arthur Lira, presidente da Câmara dos(as) Deputado(as); Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, e Luiz Fux, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). A ocasião serviria para discutir (mais) um esforço de cooperação para a produção de medidas de combate à pandemia. Após o encontro, os recados de Pacheco e Lira foram duros. O presidente do Senado mirou no Ministro das Relações Exteriores e nos prejuízos à negociação para aquisição de vacinas. Já o presidente da Câmara chegou a falar que estava apertando o sinal amarelo e que os “remédios políticos do parlamento eram amargos”, referindo-se ao impeachment.

No entanto, as falas dos líderes do Poder Legislativo seguiram como mais um dos muitos sinais de alerta que o presidente vem recebendo desde que tomou posse. Enquanto isso, a cada dia, mais de 3 mil brasileiros(as) vêm a óbito. Muitos estados estão com risco de falta de oxigênio, medicamentos e kits de intubação prestes ao esgotamento. A pergunta que cala fundo: até quando veremos os demais poderes buscando mobilizar o governo federal para que assuma a sua responsabilidade efetiva de coordenar o enfrentamento à pandemia, em suas diversas dimensões? Cabe lembrar que, para além dos remédios amargos, o parlamento possui outros dispositivos que podem e devem ser usados em momentos tão críticos.

Recentemente, tem crescido a discussão em torno da abertura da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar a condução da pandemia no país. Mesmo com 31 assinaturas de senadores desde o início de fevereiro, superiores às 27 necessárias, o requerimento de abertura segue sem decisão do presidente da Casa. Chama atenção tamanho comedimento face a um governo que sequer permite sua população comemorar uma luz em meio à escuridão da pandemia. Afinal, à felicidade de vermos entes queridos se vacinando sobrepõem-se a dor e desespero do adoecimento e morte de outros. O pior, por fim, é reconhecer que o parlamento não atua efetivamente diante de um governante que, não bastasse a condução da pandemia, ainda tensionou contra o Poder Legislativo, antes e durante a crise sanitária.

Monalisa Soares é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM) com ênfase em campanhas eleitorais, gênero e análise de conjuntura. Está no Instagram.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.