Se você não se separou até agora, espere pelo menos a vacina
Um guia contemporâneo para lidar com o casamento, uma das instituições sociais mais abaladas da pandemia
Mariana Marques
marianamarquesb@gmail.com
Que atire a primeira pedra quem nunca teve vontade de jogar o marido pela janela, especialmente aqueles que vieram ao mundo com a disposição de teimar.
O marido é esse ser que nasceu para ser eternamente criado pela avó, mesmo que o papel da avó esteja inicialmente representado pela mãe, posteriormente pela esposa. Sei que estou sendo sexista e parece que escrevo diretamente da década de 20, peço perdão. Mas é que, mesmo os que vivem conscientes de seu papel social, que são excelentes pais e donos de casa responsáveis, parecem sempre esperar por uma atitude dessa outra entidade insuportável (no caso de casais hétero): a esposa.
Casar é uma droga, eu nunca enganei ninguém. Se tá tudo perfeito por aí, pode marcar uma terapia de casal que tem alguma coisa muito errada. Dos casais mais perfeitos (os que acham que são) saem os piores filhos, as dinâmicas familiares mais doentias e possivelmente projetos de assassinos em série, ladrões capazes de cavar um túnel até o Banco Central ou estelionatários que aplicam golpe via telefone. Me ouçam. Casal perfeito é perigosíssimo.
Bom mesmo é viver na corda bamba e assumir que casamento nenhum se sustenta só. Casamento é um terceiro elemento sem corpo, pairando sobre as cabeças das partes envolvidas. Se não for cuidado, sede saciada, fome finda, exercício pago: acaba. Acaba porque alguém enche o saco, arruma outro, acaba porque hoje em dia pode acabar. Acaba porque a mãe, com a graça de Deus, começou a lhe dizer cedo que pra ter casamento infeliz era melhor não ter (se você tiver a sorte de ter uma mãe legal). Acaba porque alguém é sovina, controlador, chato, egoísta, desorganizado, desleixado ou frio. Acaba mesmo. Acaba. E não adianta pensar que feliz era sua bisavó, que era resiliente e foi casada 70 anos, completando bodas de home care. Ela era, minha amiga, na verdade, presa. Casamento bom é o que tem a possibilidade do fim. Esse aí é o que mais dura.
Casar, como eu disse, é uma droga. O que salva é ter uma companhia pra falar mal do Bolsonaro no fim do dia, o que salva é dormir abraçado, é ter uma dupla cúmplice de perrengue. O que salva é ter, como diz um amigo, um sócio pra vida. Quando essa criatura que você escolheu admira você, acolhe seu choro, sabe de você só no olhar torto, chega do trabalho e sorri, e tudo isso é recíproco, é bom demais, mesmo sendo uma droga. É assim que a vida segue.
A quarentena deixou tudo mais exposto. A impressão que eu tenho é que puseram uma lupa gigante nos nossos parceiros, e que podemos ver seus defeitos 50 vezes maiores. Resta-nos fazer esforço pra aplicar a mesma lupa nas qualidades, especialmente se, até agora, você não botou a pessoa pra fora de casa ainda. Penso inclusive que todos os casamentos que sobreviveram a 2020 devem durar pelo menos mais 20 anos, pra compensar o esforço. E se mesmo assim você pensar em abortar aquela missão prometida na frente do juiz ou do padre, e correr pro cartório pra assinar o divórcio, espere a segunda dose da vacina, tente mais um pouco, respire. Pode ser só efeito dessa matrix de mau gosto que nos fizeram viver.
E aqui, pra terminar, faço uma ressalva: se você sofre qualquer tipo de abuso (nessa hora é bom ter um amigo sincero pra você perguntar, já que muitas vítimas não percebem), violência psicológica ou física, fuja. Esses conselhos não valem pra você. Vacina nenhuma cura mau caratismo. Fuja. Peça ajuda. Fuja. Sabe sua bisavó que parecia resiliente? Provavelmente ela ou uma de suas 8 irmãs foi vítima de um casamento violento. Nós (nem ninguém) podemos perpetuar isso. É também por nossas filhas e netas.
Mariana Marques é publicitária e artista plástica.