Saudade das conexões humanas
O que o excesso de conexão virtual e a falta de contato humano real revela sobre os nossos dias de isolamento social
Desirée Cavalcante
desireecavalcantef@gmail.com
As possíveis mazelas físicas e mentais decorrentes do uso excessivo da tecnologia já são bastante conhecidas. Em nome da qualidade do convívio entre pessoas, muitas já se rebelaram contra o hábito de presenças físicas serem ignoradas por telas de celular. Não é só para elas, entretanto, que a experiência social intermediada por dispositivos eletrônicos tem sido emocionalmente extenuante.
A pandemia multiplicou, em uma escala jamais desejada, pelo menos para a parcela da população que tem o privilégio de estar em home office, o tempo em que se passa frente às telas. O que era invasivo tornou-se onipresente. De domingo a domingo, não há mais hora do dia em que se está sozinho. São aulas, reuniões, audiências, palestras, treinos, encontros, aniversários, sessões de terapia, grupos de debate e mais um ficha infindável de atividades, que formam uma maratona percorrida, em infinitas voltas, entre o quarto e a cozinha.
É experimentado um cansaço que, há muito, deixou de ser atrelado ao sono e se atou a uma necessidade de desconexão. Há uma vontade insistente de desligar o computador, deixar a internet cair e perder o sinal do celular.
Ao mesmo tempo, a cada semana de um isolamento sem expectativa de final, a ânsia de se desconectar parece potencializar a vontade de estar junto. O desejo de conviver fisicamente tenta superar o cansaço da existência estritamente virtual.
Tudo denota saudade. Das faltas mais óbvias, como a reunião de família ou o café com as amigas, às mais inusitadas, como o recém-descoberto gosto pela conversa fiada no balcão da padaria e a alegria em rever a vizinha varrendo as folhas da calçada.
Para quem sempre foi dada ao retraimento, encontrar acolhida nas mínimas interações com desconhecidos causa, ao mesmo tempo, espanto e entusiasmo. A contradição entre o excesso de conexão e a falta de contato humano real revela algo que ultrapassa os limites impostos pelo isolamento.
Novas formas de interação social foram formadas e tendem a perdurar. Somos gregários, mas, sobretudo, somos seres concretos. Conectamo-nos ao mundo e às pessoas nos atropelos dos dias, nos sabores e odores compartilhados, nas queixas sobre o calor, no saudoso prazer de ouvir a conversa da mesa ao lado.
O cansaço que sentimos não demanda apenas que os dispositivos sejam desligados. Revela a necessidade de verdadeira conexão. Aquela em que não é preciso cabos e em que ninguém pergunta se alguém está ouvindo.