Bemdito

Opiniões? Nem aqui, nem lá

Quando você decide morar fora, nem pensa que pode se ver incapaz de fazer o que todos nós gostamos de fazer: reclamar
POR Cintia Bailey

Quando você decide morar fora, nem pensa que pode se ver incapaz de fazer o que todos nós gostamos de fazer: reclamar

Cintia Bailey
cintia.bailey@outlook.com

Se não bastasse me mudar para um país completamente diferente e ter que me adaptar a um novo idioma e modo de vida, anos depois, ainda tenho que me preocupar em não ser britânica o suficiente para ter uma opinião. Ou imigrante demais para sentir ira.

Quando o Partido Conservador chegou ao poder, no momento em que o referendo do Brexit estava sendo discutido, ou quando Boris Johnson era apenas um político palhaço – sem chance real de se tornar primeiro-ministro -, sempre senti que não poderia realmente expor minhas opiniões diante do povo britânico que eu conhecia porque sempre acreditei que eles ouviriam, educadamente, minhas preocupações, mas pensariam intimamente: “Bem, se você não gosta, vá embora”.

É o tipo de coisa a que a maioria de nós recorre, em algum momento. Podemos falar mal das coisas que acreditamos que temos como nosso: nação, povo, cultura, política. Quando sentimos que realmente pertencemos e nos sentimos parte de algo, temos liberdade para falar sobre tal coisa: bem ou mal.

Quando outras pessoas, ou seja, aquelas que não pertencem tanto quanto você, levantam suas vozes, então é um grande “não”. Isso nem sempre é externalizado. Eu, na realidade, nunca senti que não pudesse expressar minhas opiniões. Acho que, provavelmente, é algo que vem primeiro na minha cabeça, antes mesmo de estar na deles. Assim, acabo reclamando e zombando do clima deprimente e da comida insossa, que são as duas coisas com as quais os britânicos não podem discordar.

Eu, aparentemente, estou de boa com isso. Não sendo britânica e sempre ciente da minha condição de imigrante, na verdade, acho que comecei a concordar com essa percepção. Tudo bem reclamar de certas coisas com amigos estrangeiros, mas nunca sendo completamente aberta e honesta com os nascidos aqui, com medo de ser vista como ingrata ou simplesmente arrogante.

O que então começou a acontecer foi que, por ser brasileira e possuir sentimentos fortes sobre tudo o que está acontecendo em meu país, comecei a ser incrivelmente vocal sobre minhas preocupações. Com isso, passei a perder muito tempo discutindo com parentes, amigos e estranhos online sobre a situação atual no Brasil. Valioso tempo perdido, eu sei… Mas todos nós cometemos esse erro, não é mesmo?

Agora, fui informada que não posso expressar minha opinião sobre o país em que nasci, porque não moro mais lá. Como posso ter autoridade para falar sobre algo que não estou vivenciando na pele? Como posso eu, de longe, achar que posso sentir raiva de uma clara situação de aflição generalizada no Brasil, se decidi morar longe de lá? Comecei então a pensar… Eles estão certos? Não devo expressar minha opinião sobre isso, pois não estou na mesma posição de sentir o que eles estão sentindo? Preciso estar fisicamente presente para me sentir ferida? Preciso ter residência para me sentir desesperada em meio a esse momento de total desdém?

Onde eu pertenço? De onde faço parte? Que loucura me preocupar com essas duas nações que amo tanto e, ao mesmo tempo, sentir que não tenho um elo forte o suficiente para cimentar, não apenas meu amor por todas as coisas que são tão especiais sobre esses dois lugares, mas minha revolta quando as coisas são simplesmente injustas, desiguais, erradas.

É isso que significa estar em limbo?

Cintia Bailey é jornalista e podcaster. Está no Instagram.

Cintia Bailey

Jornalista e podcaster, trabalha com comunicação no Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra e é criadora e host do podcast Chá com Rapadura.