Por trás da “guerra às drogas”, o adoecimento mental do povo negro
Quando o brasileiro negro não se encontra muito cedo com a morte violenta, é acometido pelo adoecimento mental em vida
Izabel Accioly
mariaizabelaccioly@gmail.com
Adolescente negro, 14 anos, cabelo crespo, sorriso imenso, muito querido pela família e amigos. Poderia ser a descrição do meu filho, Vinícius, mas era a de João Pedro. João foi assassinado há um ano em uma operação policial conjunta da Polícia Federal e da Polícia Civil. O adolescente estava em sua casa, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, quando foi atingido por um tiro de fuzil na barriga. No local do crime, foram encontradas 72 marcas de tiros. Além de João Pedro, havia outras cinco crianças na casa. A mãe de João Pedro não o verá crescer.
A motivação para a operação policial era a “guerra às drogas”. Sob esse mesmo pretexto, no último dia 6 de maio, ocorreu a chacina do Jacarezinho, a operação policial mais letal da história do Rio de Janeiro. A efetividade dessas operações, no que diz respeito à apreensão de drogas e desarticulação do tráfico na região, é ínfima. Além disso, oprime e amedronta os moradores das comunidades que precisam conviver com o banho de sangue e a possibilidade iminente de ser vítima de morte violenta.
Apesar de não serem eficazes, essas operações policiais violentas continuam sendo a estratégia adotada de modo sistemático. Como resultado, os jovens, em sua maioria negros, vão sendo aniquilados. A suposta “guerra às drogas” é um dos argumentos utilizados para justificar a violência contra o povo negro. Quando não nos encontramos muito cedo com a morte, somos acometidos pelo adoecimento mental em vida. Homicídio e suicídio são duas das causas mais recorrentes de morte entre os jovens negros brasileiros.
Nossa pele é alvo. Ser uma pessoa negra e conviver com essa realidade é adoecedor. Stephanie Ribeiro afirma que nós, negros, não morremos só de tiro. Morremos de tristeza, sentimento de impotência, desamparo. Morremos um pouco a cada “poderia ter sido comigo”. Morremos toda vez que precisamos defender o nosso direito à vida. Deveria ser óbvio e natural, mas precisa ser dito e exigido: o povo negro merece viver. Parem de nos matar!
Izabel Accioly é antropóloga, professora e pesquisadora das temáticas de relações raciais e branquitude. Está no Twitter e no Instagram.