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O Comitê de Supervisão do Facebook e a suspensão das contas de Trump

Embora a decisão seja emblemática para construir um espaço digital mais transparente e democrático, questão está longe de acabar
POR Desirée Cavalcante
Foto: Darren Halstead

Embora a decisão seja emblemática para construir um espaço digital mais transparente e democrático, questão está longe de acabar

Desirée Cavalcante
desireecavalcantef@gmail.com

Há poucos dias, um novo passo foi dado no debate do que, em texto anterior, chamamos de dever público de transparência das empresas na Era Digital. Trata-se da divulgação da aguardada decisão do Comitê de Supervisão (Oversight Board) sobre o bloqueio por tempo indefinido das contas de Donald Trump do Facebook e do Instagram.

As cenas da invasão ao Capitólio, a sede do Congresso dos Estados Unidos, que deixou cinco mortos e vários feridos, alarmaram o mundo. Naquela ocasião, várias questões sobre a segurança das instituições e da democracia foram postas à prova. Uma delas estava diretamente relacionada ao uso de redes sociais pelo então presidente e à sua influência sobre os atos de violência.

Diante disso, em 7 de janeiro de 2021, o Facebook bloqueou o acesso às contas de Donald Trump e, posteriormente, encaminhou o caso ao Comitê de Supervisão, responsável pela análise de casos emblemáticos que balizam as decisões da empresa acerca de bloqueio e remoção de conteúdos, além de proteção à liberdade de expressão e à segurança do usuários.

O encaminhamento do caso pretendia responder duas questões: a primeira era relativa ao acerto da proibição de acesso às contas por tempo indefinido; e a segunda, relativa à indicação de obrigações e recomendações sobre suspensões de contas quando o usuário for um líder político.

O Comitê independente, cuja criação está diretamente relacionada à tentativa do Facebook em dar mais legitimidade às suas ações e responder às cobranças públicas pela responsabilidade sobre os impactos que a plataforma exerce no espaço público, divulgou a decisão do seu caso mais aguardado, até então, no último 5 de maio (Caso 2021-001-FB-FBR).

No documento, concluiu que as postagens de Donald Trump haviam “violado gravemente os Padrões de Comunidade do Facebook e as Diretrizes da Comunidade do Instagram”, na medida em que expressões de “amor” aos apoiadores, adjetivos como “grandes patriotas” e afirmações como a de que todos deveriam “lembrar desse dia para sempre” violaram as regras que proíbem elogios ou apoio a pessoas envolvidas em atos de violência. Além disso, ao defender uma narrativa conspiratória de fraude à eleição e insistir em apelos à ação, Donald Trump teria criado um ambiente hostil, com propensão à violência.

Diante disso, o Comitê compreendeu que foi acertada a decisão de suspensão das contas. Entretanto, foi considerado inapropriado que a empresa impusesse uma pena por tempo indeterminado, considerando que isso não corresponde ao padrão de penalidades normais adotados pela plataforma. Diante disso, a orientação foi de que o Facebook analisasse o assunto, no prazo de seis meses, a fim de justificar uma resposta proporcional e coerente com as regras aplicadas aos outros usuários. Além disso, foram feitas recomendações a serem implementadas para o desenvolvimento de políticas claras e proporcionais, que protejam a segurança pública, mas respeitem a liberdade de expressão.

A decisão é coerente com os posicionamentos que foram adotados em casos anteriores e com o que se espera do padrão de conduta da empresa. No julgamento do Caso 2020-006-FB-FBR, por exemplo, o órgão analisou a remoção de conteúdos classificados como desinformação e o risco de dano físico iminente no contexto da pandemia global. No caso em questão, o Comitê de Supervisão revogou decisão anterior do Facebook e recomendou a criação de um novo Padrão da Comunidade sobre desinformação de saúde. O objetivo: consolidar e esclarecer as regras existentes em um único lugar, além de definir termos como “desinformação”. Também recomendou que fosse aumentada a transparência acerca da forma como são moderados os conteúdos, o que inclui a publicação de um relatório acerca dos padrões da comunidade que estão sendo aplicados durante a pandemia da Covid-19.

Em suma, o Comitê de Supervisão definiu que não basta à empresa a alegação de um dano iminente; é necessária a plena demonstração disso e, sobretudo, a criação e efetivação de um padrão que forneça orientações claras aos usuários. A ação do Facebook precisa ser compatível com a proteção dos direitos humanos e, para isso, a empresa precisa ter critérios coerentes sobre as penalidades passíveis de ser aplicadas.

A decisão emblemática do caso Trump representa um avanço nas discussões sobre a construção de um espaço digital mais transparente e democrático. Por outro lado, a indefinição da ausência dos critérios claros, especialmente quando relacionados a autoridades públicas e líderes políticos, aponta a permanência de muitos pontos relevantes. A questão está longe de acabar.

Desirée Cavalcante é advogada, professora e pesquisadora na área de Direito Constitucional. Está no Instagram.

Desirée Cavalcante

Advogada e doutoranda em Direito pela UFC, é professora de cursos de pós-graduação e 1a vice-presidente da Comissão Especial Brasil/ONU de Integração Jurídica e Diplomacia Cidadã da OAB/CE.