Bemdito

Maio vem aí: com suspensão de contrato ou corte de salário

As Medidas Provisórias que impactarão os contratos do trabalho e a economia
POR Paulo Carvalho

As Medidas Provisórias que impactarão os contratos do trabalho e a economia com o requentado Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda

Paulo Carvalho
paulomarquesdecarvalho@gmail.com

O primeiro de maio de 2021 vem marcado pelo alvoroço da publicação das Medidas Provisórias (MPs) 1045 e 1046 que retomam os acordos para redução salarial ou suspensão de contrato de trabalho, além de trazer flexibilização de regras trabalhistas durante o contexto emergencial. A sensação é de déjà vu, com cenas de confusão no setor de RH, chuvas de consultorias trabalhistas, planilhas emergenciais nos setores de contabilidade, congestionamento de lives temáticas no Instagram e lista de perguntas aos professores de Direito do Trabalho.

Já percorremos caminho semelhante. Essas normas são, com algumas sutis alterações, uma reedição das antigas Medidas Provisórias 927 e 936 de 2020. O Poder Executivo perdeu a oportunidade de apresentar uma norma revigorada, ajustando indefinições anteriores e atualizando temáticas necessárias, além de ter deslizado também em equívocos técnicos ao repetir, em norma provisória, textos legais de normas vigentes.

Prometo não transformar nossa conversa em um manual jurídico do que se convencionou chamar de “direito emergencial do trabalho”, conhecido pelas legislações trabalhistas nascidas da crise da pandemia. Mas acho importante apresentar aqui, mesmo que brevemente, algumas regras que estão afetando os contratos de trabalho enquanto você lê esse texto. Falo com essa urgência porque, ao contrário das medidas do ano passado, as empresas possuem um prazo de menos de 120 dias para se beneficiarem das atuais medidas governamentais.

A MP 1046 (que trata sobre os temas da antiga MP 926) flexibiliza regras em relação ao teletrabalho, permitindo alternância entre os regimes presenciais e de teletrabalho com prazos reduzidos e formalidades simplificadas. Dessa vez, também os feriados religiosos poderão ser antecipados, o que gera polêmicas, por tratar de questões como escusa de consciência e laicismo do Estado. A legislação permite ainda alteração nas mudanças de regras de férias, que podem ser antecipadas pelo empregador com pagamento posterior ao gozo do descanso e terço constitucional pago até o fim do ano. Foi permitido uso de banco de horas estabelecido por acordo individual ou coletivo com compensação no prazo de até 18 meses. Foram suspensas exigências administrativas em segurança e saúde do trabalho e a obrigatoriedade de exames médicos ocupacionais para trabalhadores que estejam em teletrabalho. Vale destacar que foi mantida a necessidade dos exames demissionais, assim como, para os trabalhadores de saúde, os exames ocupacionais e de treinamento. Está suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores no período de abril a julho, podendo ser realizado de forma parcelada.

Essas e outras regras previstas na norma podem ser aplicadas nos próximos quatro meses para trabalhadores temporários, rurais e, no que couber, aos domésticos. Dispositivos da antiga Medida Provisória não foram repetidos, já que cassados pelo Supremo Tribunal Federal, como a restrição de fiscalização do trabalho pelos auditores e a blindagem de caracterização da Covid-19 como doença ocupacional. É importante lembrar que a redação original da antiga norma chegou a prever a tentativa de suspensão de contratos sem nenhum benefício compensatório do governo. A repercussão negativa resultou numa icônica publicação no Twitter do presidente, revogando o dispositivo criticado.

Como algumas questões acima podiam ser tratadas por negociação coletiva com o sindicato, o interesse maior das empresas está na MP 1045 e o requentado Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (BEm), que permite a suspensão do contrato de trabalho e redução de jornadas e salário. Com o programa, no período de até 120 dias, será possível novamente a suspensão contratual ou a redução da jornada do trabalho com redução proporcional do salário e compensação pela perda de renda com um valor equivalente ao percentual do corte.

Assim como no sistema anterior, o benefício governamental não preserva o valor integral do salário recebido pelo trabalhador. A compensação será paga em valor proporcional ao valor do seguro-desemprego, podendo atingir o teto de R$ 1.911,84. É certo que o trabalhador arrisca uma redução de renda em um cenário econômico mais desfavorável do que ano passado, em razão da aceleração da inflação. O programa não acolheu trabalhadores intermitentes, categoria inaugurada com a Reforma Trabalhista, que já possui um contrato precário e possivelmente terá, em razão do modelo de contrato, períodos maiores de inatividade.

Durante o recebimento da compensação emergencial, a empresa pode oferecer ajuda compensatória mensal, contudo esta não terá natureza salarial, nem será base de cálculo para contribuição previdenciária e FGTS. Uma das críticas sindicais é que o programa privilegiou a adesão por acordos individuais entre empregado e empregador, sem presença do sindicato, já que a adesão por acordo individual poderá ser realizada para empregados com salário igual ou inferior a R$ 3,3 mil, que abrange a maioria dos contratos formais de trabalho no Brasil.

No Ceará, estima-se por entidades representativas empresariais que a redução de jornada com redução salarial deve superar 90% em alguns setores, sobretudo aqueles com maiores restrições de atuação. A medida trará fôlego ao orçamento empresarial, em especial para pequenas e médias empresas que trabalham com uma margem reduzida de emergência. O sistema mantém a estratégia de flexibilizar direitos para aliviar os custos dos empregadores, permanecendo tímidas as contrapartidas sociais pelas empresas, como, por exemplo, nas garantias de emprego e de cumprimento das obrigações tributárias, previdenciárias e trabalhistas.

O feriado de primeiro de maio é marcado como um dia de combate contra condições aviltantes de trabalho. Alguns mantêm a tradição de chamá-lo de “Dia do Trabalhador”, valorizando a luta de trabalhadoras e trabalhadores que protagonizaram as reivindicações por direitos sociais. Há quem prefira a expressão “Dia do Trabalho”, que carrega a semântica do trabalho como categoria econômica estruturante do sistema capitalista. A flexibilização de regras trabalhistas propostas pela nova onda brasileira do direito emergencial do trabalho é apresentada como condição de garantia de continuidade das atividades laborais e empresariais para aqueles que ainda contratam e são contratados com a carteira de trabalho no país da informalidade. O maio brasileiro está, mais uma vez, convidando o Dia do Trabalhador a ser chamado de Dia do Trabalho.

Paulo Carvalho é professor de Direito do Trabalho e doutor em Ciências jurídico-políticas pela Universidade de Lisboa. Pode ser encontrado no Instagram.

Paulo Carvalho

Doutor em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, coordena o grupo de pesquisa Labuta e é professor de Direito e Processo do Trabalho.