Bemdito

Lula, a polarização e o antibolsonarismo

Em meio ao desgaste de Bolsonaro, Lula faz o que sabe fazer de melhor: estabelecer pontes e abrir caminhos políticos
POR Monalisa Soares
Foto: Ricardo Stuckert

Em meio ao desgaste político de Bolsonaro, Lula faz o que sabe fazer de melhor: estabelecer pontes e abrir caminhos políticos

Monalisa Soares
monalisaslopes@gmail.com

O encontro entre Lula e Fernando Henrique Cardoso, divulgado na última semana, deu o que falar. Simbolicamente, é relevante porque demarca uma trégua e um restabelecimento de diálogo entre os dois presidentes que melhor atuaram para produzir estabilidade à jovem democracia brasileira. Diante da gestão do atual presidente, que representa uma oposição ao edifício democrático erigido pós-1988, como aponta o filósofo Marcos Nobre, o saldo do encontro é obviamente positivo, ao passo que revela consensos importantes na defesa das liberdades democráticas no país.

No entanto, mal fora assimilada essa dimensão simbólica, rapidamente o encontro foi tragado para a lógica da disputa política. Da esquerda, surgiram críticas a Fernando Henrique, destacando declarações anteriores do tucano, o seu voto nulo em 2018 e as ações de seu partido desde 2015, além de exaltações à magnanimidade de Lula em se dispor ao diálogo.

No âmbito da direita e da centro-direita, especulações sobre o quanto teria sido ruim o encontro. Aqui, também abundaram as críticas a FHC. De um lado, afirmações de que seu encontro com Lula endossava a polarização, ajudando assim Bolsonaro; de outro, declarações de que essa proximidade diminuía as chances de outras candidaturas contra Bolsonaro, ajudando, portanto, Lula.

Agentes políticos e da mídia vêm defendendo a necessidade de uma terceira via e da implosão da polarização política. Esse discurso foi amplamente mobilizado em 2018, especialmente, como estratégia para desencorajar o voto em Fernando Haddad (PT) ou em Jair Bolsonaro (PSL à época), justamente os candidatos que polarizaram o 2º turno.

As pesquisas de intenção de voto evidenciam que o espaço político a ser ocupado pela terceira via teria em torno de 24% (Datafolha). Há que se observar que neste universo há candidaturas pulverizadas, distintas programaticamente entre si, e que nenhuma delas apresenta percentual de intenção de votos inequívoco a ponto de dobrar as pretensões dos demais. Diante das circunstâncias atuais, muitos analistas e agentes políticos chegam a projetar uma disputa polarizada entre Lula e Bolsonaro em 2022.

O cientista político André Bello chama atenção para o fato de que a polarização política não é um objeto de vasto debate intelectual brasileiro. Isso ocorre porque o conflito é um tema preterido na nossa tradição de pensamento construída sob a égide de interpretações como o “homem cordial”, a “democracia racial” e a noção de “um país avesso a guerras”. Prevalecendo a conciliação como traço mais significativo da política brasileira, as produções dedicaram menos atenção à sua dimensão conflitiva.

De acordo com Bello, a partir de 2013, passamos a vivenciar uma conjuntura política permeada por conflitos manifestos que foram se adensando ao longo dos anos, com as acirradas eleições de 2014, o impeachment de Dilma Rousseff, a atuação da Lava Jato e a deterioração do cenário econômico, culminando na eleição de Bolsonaro. Tais conflitos políticos vêm se expressando tanto a nível institucional, no Congresso Nacional, quanto nas ruas, através de mobilizações. Essa exposição do conflito “a céu aberto” promoveria, portanto, a sensação do País dividido, paralisado por dissensões, que necessita unificação.

É relevante notar que, apesar desse discurso público, em 2018 e até aqui nos movimentos para 2022, encontramos entre os agentes políticos apenas duas forças capazes de atrair em torno de si os anseios, expectativas e desejos do eleitorado: o lulismo/petismo e o bolsonarismo.

Em 2018, o antipetismo exacerbado produziu uma grande força de atração em torno do bolsonarismo. Ironicamente, diante das precárias condições políticas, sociais, econômicas e sanitárias enfrentadas pelo país, o antibolsonarismo vem se tornando o mote de prováveis adesões ao lulismo/petismo, até entre antipetistas de 2018.

Nesse sentido, cabe destacar a atuação de Lula após recuperados os direitos políticos. Como bem sinalizou Thomas Traumann, no momento em que o antibolsonarismo vai se firmando como força política relevante e Lula se consolidando como o opositor com maiores chances de vitória, a conjuntura exige cada vez mais do petista “o domínio de sua virtú”. O analista se referia especialmente à capacidade do ex-presidente de recobrar relações com antigos aliados, a quem os petistas atribuem traições, e/ou mesmo dialogar com opositores históricos, em nome do consenso de derrotar Bolsonaro.

Quanto ao desafio indicado no texto de Traumann, as fotografias recentes de Lula evidenciam a resposta. No intervalo de um mês, quem consultou as redes sociais do ex-presidente pôde acompanhar registros de seus encontros com lideranças políticas de diversos partidos: Marcelo Freixo (PSOL), Fabiano Contarato (REDE), José Sarney (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), além do encontro que causou o frisson narrado no início do texto, com Fernando Henrique (PSDB). Além das conversas fotografadas, a imprensa vem noticiando também os movimentos do petista no sentido de dialogar com atores como Kassab, Rodrigo Maia e líderes do PSB, com vistas a articulações estaduais.

Considerando o desgaste que Bolsonaro vem acumulando, como indicam as pesquisas de opinião pública, Lula tem se movido no intuito de estabelecer pontes e abrir caminhos para receber apoios no oportuno momento em que a polarização eleitoral se efetivar, tornando necessária a concretização da frente ampla antibolsonarista.

Apesar do bom momento, a empreitada de Lula não é simples. Os afetos políticos que o ex-presidente e seu partido mobilizam são expressivos e influenciam diretamente a polarização. A favor do petista, sua significativa capacidade de liderança e mobilização, além da ausência, até este momento, de outro nome na disputa que opere o seu efeito positivo em benefício da oposição. 2022 é logo ali, a ver como Lula equilibrará esses pratos (e outros que virão) na balança política.

Monalisa Soares é professora da UFC e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM) com ênfase em campanhas eleitorais, gênero e análise de conjuntura. Está no Instagram.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.