A pior pessoa do mundo
Na manhã do dia 08 de fevereiro, a Academia de Artes e Ciências Dramáticas anunciou seus candidatos à edição de 2022 do Oscar. Entre os trabalhos ungidos pelo feixe lantejoulado de Hollywood, indicado nas categorias de melhor roteiro original e melhor filme internacional, figura a dramédia norueguesa “A Pior Pessoa do Mundo”.
Estrelado com cinismo e sensibilidade irresistíveis por Renate Reisve, o filme de Joachim Trier faz companhia a Julie (Reisve), moça balzaquiana aspirante a tudo e comprometida a nada, nas suas andanças vacilantes em busca de contato (quem sabe amor), realização (quem sabe sucesso) e lugar no mundo (quem sabe felicidade).
Não sei até onde boto fé em “retratos de uma geração” no âmbito artístico. Acredito, pois é flagrante, em pontos de ligação, denominadores comuns e um temperamento coletivo partilhado entre os rebentos de um mesmo tempo político, cultural e econômico. Me vejo como integrante de uma geração e boto fé na descrição acadêmica do princípio, mas não tanto na retratação artística dele.
Penso assim por considerar que, na arte, o que se convenciona como “geração” é quase sempre uma pasteurização de tipos, gostos e comportamentos assuntados a portas fechadas, nos grandes centros urbanos, entre patotas exclusivas, enviesadas por interpretações com igual potencial para serem reducionistas e generalistas; e quando algum autor ou movimento artístico recebe de outras patotas exclusivas a prerrogativa de assim laurear seus trabalhos, como “retratos de uma geração”, a recebe como recompensa de uma batalha vencida pelo cansaço, quando não pelo elitismo.
Feito esse rodeio todo, e estando eu mesmo vencido pelo cansaço, vou dizer, por pura força do hábito e expressão, que “A Pior Pessoa do Mundo” é um inspirado retrato de uma geração obcecada por retratos de sua geração. Me refiro, claro, aos Millennials, casta enlouquecidamente apaixonada por seus defeitos, equívocos e doenças. Casta que alegadamente não suporta viver dentro da própria cabeça, mas não cansa de se ver, se escrever, se ouvir, se recitar e gemer suas angústias em todas as vielas da arte – popular e erudita. Casta estimulada pela contradição de se enxergar especial por não se acreditar especial, maltratar sua autoimagem para atiçar as zonas erógenas do ego: “Não há neste mundo pessoa mais inútil, desamada e burra do que eu, portanto, o mundo necessita de um livro, um filme e uma série sobre mim”. O millenial ama se odiar. Não fosse tão inseguro, não seria tão narcisista.
Nessa ambivalência opera “A Pior Pessoa do Mundo”, e dessa ambivalência a narrativa arma as ciladas, da vida e do tempo, que de rasteira levam Julie ao chão, assim como as descobertas que a reerguem e amadurecem. O resultado da obra, para o mal, é a velha queixa existencial e autodepreciação espirituosa, eloquente e espertinha, bem calculadinha para aliciar millennials sem lugar no mundo e na própria vida a assistirem àquela saga e proclamarem, inundados de ilusão: “Nossa, isso é muito eu!!!”. Para o bem, e isso predomina largamente, o resultado é um testemunho escrito nas mesmas contradições que predicam a geração que o serviu de musa: afetado e genuíno, prepotente e vulnerável, fútil e complexo, leviano e romântico, ridículo e fascinante.