Bemdito

A sedução de Lula e o futuro de Camilo Santana

Como a gestão da pandemia no Ceará por Camilo Santana lhe rendeu capital político suficiente para chamar a atenção e os afagos de Lula
POR Monalisa Soares
Foto: Ricardo Stuckert / Instituto Lula

Como a gestão da pandemia no Ceará por Camilo Santana lhe rendeu capital político suficiente para chamar a atenção e os afagos de Lula

Monalisa Soares
monalisaslopes@gmail.com

A política comumente é narrada sob a metáfora da guerra, do combate, cujos signos de descrição referem-se a adversários, aliados, estratégias, etc. Contudo, existem episódios nos quais a prática política é descrita como a arte da conquista, do convencimento e da adesão. Foi esta nuance que vimos na última semana com as declarações do ex-presidente Lula afirmando que irá “disputar o coração bondoso” do governador Camilo Santana.

A despeito do ex-presidente ser reconhecido por sua capacidade de diálogo e conciliação política, e ser descrito por interlocutores como uma liderança atenciosa e afetuosa, chamo atenção para alguns elementos envolvidos nessa fala que revelam mais do que cortesias e afagos de uma liderança carismática. Refiro-me ao capital político acumulado por Camilo Santana e o papel estratégico que ele desempenhará no Ceará na disputa de 2022, bem como as escolhas que o atual governador necessita tomar considerando seu futuro político.

Desnecessário dizer que já passamos da fase em que se pensava Camilo Santana (PT) como simples aliado dos Ferreira Gomes. É evidente que essa relação é permeada por uma dádiva única: foi sob a benção do grupo que o petista tornou-se candidato e venceu a disputa pelo comando do executivo estadual. No entanto, muita água já passou por baixo dessa ponte e, especialmente, em seu segundo mandato, Camilo Santana teve condições de construir uma imagem pública singular e, em muitos aspectos, distinta das de seus aliados políticos. Afinal, nada mais oposto ao estilo dos Ferreira Gomes do que o estilo sóbrio e parcimonioso de Camilo Santana. Tão oposto que, para muitos, chegou a ser entendido como falta de marca política, uma descrição muito oportuna para descrever os pretensos “postes políticos”.

No ano de 2020, Camilo Santana enfrentou a roda da fortuna substanciada em dois eventos que marcaram sua gestão: a paralisação dos policiais e o início da pandemia. Em fevereiro, o governador teve que lidar com motim de parte da Polícia Militar, o que aumentou os casos de violência no estado e adensou a temperatura política culminando no episódio no qual o senador Cid Gomes (PDT) acabou baleado dentro de uma escavadeira. Diante do acontecimento, o governador propôs saída contundente: apresentou Proposta de Emenda à Constituição Estadual (PEC) que proíbe a anistia a policiais que cometem infrações como a participação em paralisações e motins. A PEC foi aprovada pela Assembleia Legislativa.

Mal superou tal conflito de repercussão nacional, Camilo Santana passou a lidar com a pandemia de Covid-19. Em abril de 2020, o Ceará já ocupava lugar entre os estados mais atingidos, com destaque da capital cearense registrando alta incidência de casos. Como já mencionei em outras colunas, o governador passou pelos desafios e tensões que os gestores vêm enfrentando em virtude da falta de coordenação federal. No entanto, cabe destacar como a gestão da pandemia feita por Camilo Santana lhe rendeu capital político. A despeito de medidas que enfrentaram algumas resistências, no geral o governador manteve bons índices de avaliação junto à população cearense ao longo do período.

Diante da fortuna, Camilo mostrou virtú, para usarmos os termos de Maquiavel. Enfrentar os imponderáveis, rendeu a Camilo justamente a oportunidade de afirmar seu estilo político. Em meio à turbulência e ao cenário de tensão política, o governador passou a se destacar pela fala tranquila e a imagem de serenidade mediadora.

Desse modo, além da aprovação popular, Camilo Santana passou a conquistar maior visibilidade nacional. No período de um ano, foi entrevistado no programa Roda Viva, pela revista IstoÉ, além de ter sido convidado a participar de eventos como Brazil Conference, organizado pela Universidade de Harvard/MIT. Tem sido, ainda, significativo o engajamento que o governador motiva nas redes sociais. Estas têm sido mobilizadas de maneira efetiva para comunicar suas decisões sobre a pandemia e para vocalizar as discordâncias com o governo federal. Levantamento realizado em março deste ano indicou que Camilo é o governador mais influente nas redes sociais.

Aprovação popular, visibilidade e influência indiciam o capital político que o governador vem acumulando e que o torna uma liderança política cujo “coração” venha a ser disputado. Os afagos de Lula e do PT não são recentes. Há algum tempo ocorrem menções à ideia de Camilo ter pretensões nacionais: ser candidato à presidência ou à vice-presidência. Nessa estratégia de sedução, Lula e o PT parecem sinalizar para o governador a promessa de uma plataforma nacional para sua carreira política em ascensão. É como se a sua provável candidatura ao Senado Federal, à medida que o projete ao cenário nacional, também suscitasse que ligações políticas podem contribuir para manter sua visibilidade, aprovação e influência.

Até 2022, ainda há muitos eventos por ocorrer e, para muitos analistas da política cearense, o mais provável é que Camilo siga retribuindo a dádiva primeira que recebeu dos Ferreira Gomes. O governador ficará no PT? Sairá? Seu destino político não há como cravar com precisão, resta-nos, então, acompanhar as escolhas que Camilo Santana fará para esculpi-lo.

Monalisa Soares é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM) com ênfase em campanhas eleitorais, gênero e análise de conjuntura. Está no Instagram.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.