Bemdito

A solução e a ilusão que nos convêm

Manuais de sucesso revelam nossa carência de certezas e não garantem o caminho do êxito
POR Cláudio Sena

Há um desafio movido por boa parcela de profissionais e por um mercado dedicado em encontrar padrões de comportamento e, sobretudo, modos de agir diante de problemas de todas as ordens. Trata-se da criação e disponibilização de manuais de vida que fazem de seus detentores precisar consultá-los diante de encruzilhadas e situações diversas. Bebem da Bíblia, de Freud, dos Sutras, da psicologia comportamental, dos filósofos gregos, do iogurte grego, vale tudo para compor a cartilha que nos ajudaria a agir e a reagir. 

Diante da complexidade do ser humano, tais manuais são bálsamo com potência de veneno. Não fecham acordo com a cientificidade, juntam pedaços daqui e dali. Preferem a salada humanística-esotérica-metafísica. Dizem como devemos manter casamentos, lidar com amigos, se comportar no trabalho, ser aceito e bem quisto. Enfileiram-se nas prateleiras das livrarias, viralizam-se em posts inspiradores e reverberam-se na boca de especialistas recém-ingressos em nossas vidas, mas com capacidade de dizer o que devemos fazer. Criam rituais que tratam o bicho gente como algo mais ou menos parecido. Quer saber? Às vezes, funcionam. O problema é quando o devoto não encontra solução. 

Frustração, desespero, tristeza, fracasso. Nem toda solução simples tem aplicação simples. A receita, o “como fazer”, vai encontrar-se com uma construção social individual e complexa que opera-se em corpos e mentes únicos. Mesmo núcleo familiar, mesmas experiências de sociabilidade, mesmos colégios e faculdades, mesmo grupo de amigos não garantem sucesso e, muito menos, a mesma recepção em relação às ordens sugeridas de como colocar-se nas situações da vida.   

Ainda há, além do que é visto, o espectro da intimidade. Aquilo que está longe de ser exibido, panfletado e manifestado a partir daquilo que nos cabe acessar da vida do outro. “Ser sociável é viver em um mundo de aparências”, diz a socióloga Eva Illouz que considera a aparência como “o trabalho que faço no meu corpo para aparecer de certa forma na frente de outras pessoas”. Entendeu como a gente sabe pouco do outro? 

Embora reconheçamos tudo isso, procuramos as respostas que nos convém, mesmo que, no fundo, saibamos que se tratam de pequenas doses de paliativos para que possamos suportar a realidade que nem sempre é suave. 

Cláudio Sena

Doutor em sociologia, professor, pesquisador e publicitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto.