Bemdito

Com o suor de teu rosto

Estamos habituados a pensar no tempo dedicado ao trabalho como tempo perdido, mas será que essa conclusão faz sentido?
POR Simone Mayara

Estamos habituados a pensar no tempo dedicado ao trabalho como tempo perdido, mas será que essa conclusão faz sentido?

Simone Mayara
simonempf@gmail.com

O documentário Quanto tempo o tempo tem é uma produção brasileira de 2015 que está disponível na Netflix e é bem gostoso de ver. Indico. Acho repetitivo em algumas coisas, como os trechos com as imagens de carros e luzes passando rápido. A forma como a culpa de todos os nossos males está no capitalismo também sempre me soa tão simplista e cansativa. Mas, no geral, é interessantíssimo. Falar do tempo costuma ser, né?! A nossa moeda com a vida. Mas hoje queria falar de trabalho. No documentário é trazida uma visão negativa do tempo gasto nas suas funções e isso me deixou a pulga atrás da orelha.

Passamos a maior parte do tempo da vida adulta no trabalho e e boa parte da vida juvenil nos preparando para desenvolver as habilidades que serão úteis de alguma forma para o mercado. O mercado, esse ser disforme tão falado e pouco compreendido. Enquanto o mundo discute o mercado 5.0, engatinhamos no Brasil pra alcançar o mercado 4.0. E o que isso significa? E quanto tempo teremos de dar para alcançar? Se nos inserimos nesse tal mercado e passamos a vida trabalhando, cabe mesmo falar mal de ambos?

Os questionamentos anteriores não vieram só do documentário, que de novo recomendo, mas de coisas que já tinha escutado antes. A associação de um professor no mestrado entre a necessidade de trabalhar para ganhar o próprio pão depois do pecado original e o quanto ele seria mais castigo que qualquer coisa. Também lembro de algo parecido lendo sobre o rechaço das monarquias e sua corte de dependentes à burguesia, aqueles sem título, mas que ganharam suas riquezas com o suor.

Esse rechaço ao trabalho sempre foi algo assustador para quem escreve. Não no sentido de preguiça, mas sobre a associação a um possível malfeito do trabalho. O trabalho como um mal uso do tempo, da moeda da vida, será? Até aqui dei mais questionamentos. Sei. Mas foi o que o documentário me gerou e venho aqui partilhar. Sobre diversos assuntos. Sobre o trabalho, o documentário e sobre o que escuto. Ganhar o pão é extremamente digno e a independência gerada por isso traz a real liberdade: o poder de dizer “sim” e “não”. Não vale então dar o tempo pra isso? As moedas da vida.

Aperfeiçoar habilidades técnicas, melhorar as suas qualidades pessoais, construir relacionamentos com os colegas, clientes, pacientes alunos…tanta oportunidade de crescimento pessoal. Boas chances de não gastar, mas ganhar moedas de vida. Parece clichê, mas ganhar cada minuto o fazendo útil – sem o menor resquício de capitalismo, útil sobretudo de sentido – parece uma boa. Então se pensamos em “quanto tempo o tempo tem?” e se gastamos a maior parte desse tempo na preparação ou execução do trabalho. Pois bem, que seja tempo bem gasto, valorizado e não reclamado.

Simone Mayara é Analista Política no Instituto Livre Mercado.

Simone Mayara

Analista política, é especialista em Direito Internacional e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política. Atualmente é sócia na consultoria de diplomacia corporativa Think Brasil.