Desacelerar também é um ato político
A sociedade da informação ganhou uma nova ferramenta com a possibilidade de aumento da velocidade dos áudios do WhatsApp. Essa função não é uma novidade. Já era conhecida em outras plataformas, inclusive por quem assistia aulas virtuais antes da pandemia. O que há de relativamente novo é a sua generalização. Segmentos de streaming, música, vídeo, produção ou educação já possuem o recurso, que aparenta estar se consolidando como o padrão sugerido e estimulado. Mesmo antes da atualização do WhatsApp, por exemplo, as configurações automáticas de podcasts no Spotify já vinham em aceleração 1,5x.
Por se estender às plataformas de lazer, esse mecanismo não é anunciado apenas como instrumento para alcançar uma hiperprodutividade laboral ou educacional. Na verdade, compõe o complexo arcabouço de recursos que buscam “facilitar a vida” e “poupar tempo”, mesmo quando, em teoria, as pessoas estariam desfrutando do seu momento livre.
Assim, é inevitável questionar: estamos poupando tanto tempo para quê? Para onde vão os minutos que estamos economizando se parecemos cada dia mais ocupados?
É intuitivo que a aceleração permita “maratonar” uma série em pouco tempo. Assim como correr ouvindo audiobooks, dirigir ouvindo um podcast ou aprender técnicas de leitura estratégica, rápida e dinâmica nos permitem consumir muito mais informações.
O ponto é que tudo isso se trata de consumo na sua forma mais irrefletida e exagerada. Estamos ansiosos para terminar aquilo que antes era o nosso lazer e momento de contemplação para devorar o que vem a seguir, ainda que não saibamos o propósito disso.
Após um dia ouvindo áudios acelerados – um vício que rapidamente se instala nas nossas almas – questionei-me como seria quando tivesse de conversar com alguém pessoalmente. Como teria paciência para ouvir alguém narrar as minúcias de uma história na velocidade humana?
Pressa para quê?
Há um movimento nas redes socais para “pular a abertura” de conversas de texto. Dispensam-se os cumprimentos de praxe e pede-se para ir direto ao assunto. Precisamos agora poupar o tempo de dizer bom dia, numa economia de cortesia, que é oposta ao esperado em uma comunidade.
Ninguém está imune a esse fenômeno. A impaciência e a pressa estão à disposição de todos e, de fato, a aceleração permite o desfrute de mais informações. Suspeita-se que a prática de acelerar os vídeos – chamada de speed watching – possa reduzir o abandono de aulas, especialmente em um quadro de saturação das ferramentas virtuais de ensino, como ocorrido na pandemia.
Não adianta se voltar contra a ferramenta em si. Como qualquer aparato tecnológico, ela possui utilidades, mas precisa ser contextualizada.
Essa ansiedade generalizada não é ocasional, muito menos uma questão individual. Está nas entranhas do modo como temos nos organizado enquanto sociedade e conduz os nossos comportamentos e as nossas prioridades.
Além disso, tolhe espaços de desfrute coletivo e exacerba uma existência voltada ao consumo e ao trabalho. Desacelerar não é apenas um movimento por saúde ou bem-estar individual. É uma postura política contra um sistema construído para nos manter em consumo e produção permanentes.