Bemdito

Você também é imbrochável?

O que a fala de Jair Bolsonaro no interior do Ceará revela sobre identidade masculina e construção da virilidade
POR Paula Brandão

O que a fala de Jair Bolsonaro no interior do Ceará revela sobre identidade masculina e a construção da virilidade

Paula Brandão
paulafbam@gmail.com

O que estaria querendo afirmar um homem, representante maior do País, ao chegar ao Ceará e dizer que é imbrochável? O homem que não brocha é o que não nega fogo, que está sempre disponível para saciar a voraz sede de sexo, que reafirma a sua natureza instintiva, animalesca, mas que, entre nós mulheres, é apenas mais uma ficção masculina, algo criado e repetido mil vezes até virar verdade.

Recentemente assisti ao filme O que os homens falam. Em uma das cenas finais, acontecem os diálogos de dois casais a caminho de uma festa. Por acaso, Maria, esposa de M., deu uma carona para o marido de Sara, nomeado apenas de A. Enquanto isso, Sara encontra, numa loja de vinhos, o companheiro de Maria. A. e M. são amigos de uma vida inteira, daqueles que jogam futebol, saem para tomar drinks e devem conversar muito. Sobre o que falam os homens? Em fração de minutos, as mulheres abrem o jogo sobre seus maridos e revelam facetas desconhecidas de cada um deles. M. é violento e A. é impotente. Eles nunca tinham dividido essas questões entre si, enquanto as mulheres, rapidamente, disseram o que as incomodava. Bom mesmo é ver o mal estar quando ambos se encontram na chegada da festa e não conseguem se olhar.

Os homens não falam sobre o que sentem uns com os outros: eles se elevam, dão notas para as mulheres, fazem listas com nomes de quem “pegaram.” Basta entrar nos grupos masculinos de Whatsapp pra perceber que só tratam de cervejas artesanais, onde comprar as mais geladas, dicas de churrascos e pequenos segredinhos pornográficos. Eles não falam de problemas sérios! Ao contrário dos grupos de mulheres, reiteradamente iniciados com o substantivo “mães”, seja da escola, do condomínio, ou de qualquer outro espaço, que passam o dia falando de assuntos problemáticos e, muitas vezes, travam fortes embates.

É a esse público que a fala do presidente reverbera, é para as pessoas que necessitam dessa ratificação diária que a voz arcaica soa como um gozo. Aquele homem que, quando candidato, afirmou que o fato de ter uma filha após quatro homens era uma escorregada me faz lembrar do tosco Arlindo Silveira Neto. Descrito por Conceição Evaristo, em Insubmissas lágrimas de mulheres, Arlindo não acreditava ter feito uma filha: só podia ser uma traição da mulher. O troço, que nasceu depois de seis filhos homens, ele nomeou de Troçoléia Silveira:

“O homem garboso de sua masculinidade, que, a seu ver, ficava comprovada a cada filho homem nascido, ficou decepcionado quando lhe deram a notícia de que seu sétimo rebento era uma menina. Como pode ser? – pensava ele – de sua rija vara só saía varão! Estaria falhando? Seria a idade? Seu avô, pai de seu pai, mesmo com idade avançada, na quinta mulher, tinha feito um menino homem.”

Triste sina a ser seguida, essa evidenciada como modelo para certos homens! Para discutir masculinidade no Brasil, não poderia deixar de entrecruzar a identidade regional e a de gênero na figura do nordestino. O macho é constituído por elaborações sofisticadas, fragmentos de imagens e códigos sociais, e revelam uma fantasia que precisa ser tensionada. Oscila entre uma abordagem telúrica, de uma natureza particular da região e o homem como sujeito universal – é o que diz Durval Albuquerque Junior, em Nordestino: uma invenção do falo. A ideia é a de que, para resistir às agruras das terras nordestinas, o sujeito tem que ser valente, forte, pouco afetivo e corajoso. O macho é uma figura vinculada a violência, honra e outros atributos másculos que ainda permeiam as mentes locais.

Está claro que não existe uma masculinidade homogênea, e nem um sujeito trans-histórico que não tenha sofrido flexões, diferenciações e redefinido suas trajetórias múltiplas como homens. Há também outras lógicas, os ditos homens em desconstrução, sujeitos dissidentes desse sistema patriarcal que ainda estamos inseridas. Será que eles são mesmo capazes de abrir mão de seu lugar de privilégio?

Paula Brandão é professora da UECE, doutora em sociologia e pesquisadora na área de gênero, gerações e sexualidades. Está no Instagram.

Paula Brandão

Doutora em Sociologia pela UFC, e professora do curso de Serviço Social (Uece). É pesquisadora na área de gêneros, gerações e sexualidades. Membro do Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania (Labvida) e integra o Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência (NAH).