A síndrome de queimar-se até o fim
Nesse início de 2022, recomeço no Bemdito, mas faço também uma retomada pessoal. Explico.
Precisei me afastar do site no final do ano passado após receber o diagnóstico de burnout. Agora, ainda em tratamento e já bem melhor, usarei desse espaço tão precioso para, em uma série de 3 textos, tratar do que foi uma grande questão para mim. Quero trazer a visão de dentro do furacão, mas acredito que a opinião técnica é fundamental e, por isso, esses artigos foram escritos em parceria com a psicóloga que me acompanha nesse caminho.
Paula Sousa possui especialização em neuropsicologia e realiza um trabalho singular com transtornos da ansiedade. A Paula tem sido um anjo e colaborou, com seu conhecimento, para que falemos dessa doença de forma mais técnica.
Para falar de burnout é preciso, “começar do começo”, sobre mim e sobre a doença. Acredito profundamente na Medicina e faço terapia há alguns anos, mas o preconceito com doenças mentais é enorme, ou melhor, tenho preconceito de portar algum tipo de transtorno. Sim, mesmo para alguém que é bem informada e tem total respeito pelo trabalho e pelas descobertas da psiquiatria e psicologia, burnout era alguma espécie de invenção pós-moderna de twitter.
E aqui faço o primeiro alerta: o mal uso do termo e a banalização causam esse tipo de visão amesquinhada sobre uma doença séria. Nem tudo é burnout e, na verdade, acredito que pouca coisa o seja – e aqui falo sem dados. Por sua própria essência, a doença é o “cansaço além do cansaço”, ela é residual. É tudo aquilo que excede o ordinário, ou seja, o estresse do dia a dia; a fadiga ao fim de um dia de trabalho; a perda de sono causada por uma questão pontual; o desânimo ou tédio que às vezes aparece. Enfim, a vida comum não é burnout!
Exatamente por ser a pessoa que não acreditava no tal do burnout e se viu presa nesse furacão, achei por bem dividir como têm sido os dias desde o diagnóstico e como está sendo o tratamento. Adoraria dizer: “como foi o tratamento até a cura”, mas, infelizmente, esse monstrinho não é como uma gripe com ciclo viral conhecido, sintomas claros, e apenas 7 dias de cuidados.
Mesmo após meses do início do tratamento, ainda há dias que, sem motivo aparente, o cansaço e a angústia aparecem do nada, acompanhados de uma vontade de nem sair da cama.
Pois bem, apresentado todo o meu ceticismo sobre a doença, passemos a falar sobre como se deu a identificação do burnout.
Recebi o diagnóstico dois dias antes do meu aniversário, no dia 1º de outubro de 2021, pela manhã. Era uma sexta-feira e foi repleta de significados: era dia de Santa Teresinha e aniversário de morte de uma colega. Esse diagnóstico veio depois de meses de reiterados comentários com os amigos mais próximos, “eu estou esquisita!”. Essa era a sensação; um cansaço que nunca passava, parecia estar fora de mim. Uma completa apatia diante de coisas que sempre amei – como comemorar o aniversário – e que me fazia questionar tudo. Estranha e cansada, todo santo dia. Até que o diagnóstico, devidamente acompanhado por profissionais de saúde, definiu que aquilo tudo tinha nome.
Quando recebi o diagnóstico comentei com um amigo que é médico. Ele disse: sim, você estava mesmo caminhando para isso. Nesse momento lembrei que vários amigos – e, mais para frente, irei tratar da importância deles no tratamento – já haviam me dito para descansar, diminuir o ritmo. Mas isso, essa loucura, essa doença não te deixa descansar. O corpo está sempre meio rijo e a mente nunca está totalmente em paz. Alguns dias precisei até me convencer a dormir. Foi literalmente uma conversa, sozinha, para me convencer que estava “tudo ok” e era tudo bem descansar.
Essas são as impressões de alguém que recebeu o diagnóstico e ficou em choque. A seguir, Paula Sousa, psicóloga que me acompanha nesse momento, esclarece os aspectos gerais da doença e trata da importância de desassociar os sintomas de preguiça (cobrança interna muito comum e, com conhecimento de causa, dolorosa).
Paula Sousa:
A primeira coisa importante a se ressaltada aqui é: burnout não é preguiça. Comumente, pacientes que foram diagnosticado – ou estão prestes a ser – se questionarem, várias vezes, durante a sessão: “será que não estou sendo preguiçosa?”.
Sobre isso, tenho um exemplo de uma paciente que chegou dizendo que estava “preguiçosa” e havia comprado um livro sobre a preguiça. Era um livro prático, cujo intuito era fazê-la agir. Fato é que, após algumas sessões, eu disse: “evite ler esse livro”, você precisa ler outro intitulado “aprender a descansar”.
Se a pessoa não tiver um bom acompanhamento, ela simplesmente vai se quebrar. Quebrar sua alma, sua cabeça, seu corpo, e, a troco de quê?
Mas, afinal, o que é burnout?
A síndrome de burnout é também conhecida como a Síndrome do Esgotamento Profissional. O conceito de profissional, aqui, não se limita apenas a quem trabalha fora de casa, mas aqueles que têm muitas tarefas e que seja necessário repeti-las por um longo período. Podem ser citados como exemplo profissionais da saúde; da política; da educação; donas de casa; policiais; mães, etc. Todos estão sujeitos a essa condição se não entenderem que é preciso parar. É preciso descansar e recarregar a bateria.
Tem uma frase de um psiquiatra – o qual admiro bastante –, Saulo Barbosa, que diz que: “é preciso descansar para servir melhor. Como a onda que recua antes de arrebentar”. Sem descanso, o ser humano se esgota, se queima por completo. É esse, inclusive, o significado da palavra burnout, de origem inglesa, que significa: queimar-se por inteiro.
Diferente da preguiça, que tem um quê de negligência, a consciência não grita. É algo simples: eu preciso fazer, mas eu não quero; aqui está mais legal, mais confortável.
O Burnout, diferentemente, vai minando e queimando as forças, a alegria, a vontade, o ânimo… E você ainda se sente culpado por parar. E o tratamento é exatamente parar. Não por completo, mas diminuir o ritmo; respirar; alimentar pensamentos leves durante o dia.
É necessário um profissional que te ajude e te lembre que sua vida não é somente produzir. É preciso usufruir também. Não só plantar, mas colher.
É necessário entender, portanto, que a sua culpa em recuar faz parte do sintoma. Mas deixa eu te contar uma coisa: a virtude da fortaleza está entre fazer o que é preciso ser feito e recuar quando necessário. Forte é quem se convence de que é necessário recuar, ainda que seja difícil fazê-lo.