Bemdito

A síndrome de queimar-se até o fim

O primeiro de uma série de três textos sobre o mal-estar do século: a síndrome do esgotamento profissional
POR Simone Mayara

Nesse início de 2022, recomeço no Bemdito, mas faço também uma retomada pessoal. Explico. 

Precisei me afastar do site no final do ano passado após receber o diagnóstico de burnout. Agora, ainda em tratamento e já bem melhor, usarei desse espaço tão precioso para, em uma série de 3 textos, tratar do que foi uma grande questão para mim. Quero trazer a visão de dentro do furacão, mas acredito que a opinião técnica é fundamental e, por isso, esses artigos foram escritos em parceria com a psicóloga que me acompanha nesse caminho. 

Paula Sousa possui especialização em neuropsicologia e realiza um trabalho singular com transtornos da ansiedade. A Paula tem sido um anjo e colaborou, com seu conhecimento, para que falemos dessa doença de forma mais técnica.

Para falar de burnout é preciso, “começar do começo”, sobre mim e sobre a doença. Acredito profundamente na Medicina e faço terapia há alguns anos, mas o preconceito com doenças mentais é enorme, ou melhor, tenho preconceito de portar algum tipo de transtorno. Sim, mesmo para alguém que é bem informada e tem total respeito pelo trabalho e pelas descobertas da psiquiatria e psicologia, burnout era alguma espécie de invenção pós-moderna de twitter

E aqui faço o primeiro alerta: o mal uso do termo e a banalização causam esse tipo de visão amesquinhada sobre uma doença séria. Nem tudo é burnout e, na verdade, acredito que pouca coisa o seja – e aqui falo sem dados. Por sua própria essência, a doença é o “cansaço além do cansaço”, ela é residual. É tudo aquilo que excede o ordinário, ou seja, o estresse do dia a dia; a fadiga  ao fim de um dia de trabalho; a perda de sono causada por uma questão pontual; o desânimo ou tédio que às vezes aparece. Enfim, a vida comum não é burnout

Exatamente por ser a pessoa que não acreditava no tal do burnout e se viu presa nesse furacão, achei por bem dividir como têm sido os dias desde o diagnóstico e como está sendo o tratamento. Adoraria dizer: “como foi o tratamento até a cura”, mas, infelizmente, esse monstrinho não é como uma gripe com ciclo viral conhecido, sintomas claros, e apenas 7 dias de cuidados. 

Mesmo após meses do início do tratamento, ainda há dias que, sem motivo aparente, o cansaço e a angústia aparecem do nada, acompanhados de uma vontade de nem sair da cama. 

Pois bem, apresentado todo o meu ceticismo sobre a doença, passemos a falar sobre como se deu a identificação do burnout

Recebi o diagnóstico dois dias antes do meu aniversário, no dia 1º de outubro de 2021, pela manhã. Era uma sexta-feira e foi repleta de significados: era dia de Santa Teresinha e aniversário de morte de uma colega. Esse diagnóstico veio depois de meses de reiterados comentários com os amigos mais próximos, “eu estou esquisita!”. Essa era a sensação; um cansaço que nunca passava, parecia estar fora de mim. Uma completa apatia diante de coisas que sempre amei – como comemorar o aniversário – e que me fazia questionar tudo. Estranha e cansada, todo santo dia. Até que o diagnóstico, devidamente acompanhado por profissionais de saúde, definiu que aquilo tudo tinha nome.

Quando recebi o diagnóstico comentei com um amigo que é médico. Ele disse: sim, você estava mesmo caminhando para isso. Nesse momento lembrei que vários amigos – e, mais para frente, irei tratar da importância deles no tratamento – já haviam me dito para descansar, diminuir o ritmo. Mas isso, essa loucura, essa doença não te deixa descansar. O corpo está sempre meio rijo e a mente nunca está totalmente em paz. Alguns dias precisei até me convencer a dormir. Foi literalmente uma conversa, sozinha, para me convencer que estava “tudo ok” e era tudo bem descansar.

Essas são as impressões de alguém que recebeu o diagnóstico e ficou em choque. A seguir, Paula Sousa, psicóloga que me acompanha nesse momento, esclarece os aspectos gerais da doença e trata da importância de desassociar os sintomas de preguiça (cobrança interna muito comum e, com conhecimento de causa, dolorosa). 

Paula Sousa:

A primeira coisa importante a se ressaltada aqui é: burnout não é preguiça. Comumente, pacientes que foram diagnosticado – ou estão prestes a ser – se questionarem, várias vezes, durante a sessão: “será que não estou sendo preguiçosa?”. 

Sobre isso, tenho um exemplo de uma paciente que chegou dizendo que estava “preguiçosa” e havia comprado um livro sobre a preguiça. Era um livro prático, cujo intuito era fazê-la agir. Fato é que, após algumas sessões, eu disse: “evite ler esse livro”, você precisa ler outro intitulado “aprender a descansar”.

Se a pessoa não tiver um bom acompanhamento, ela simplesmente vai se quebrar. Quebrar sua alma, sua cabeça, seu corpo, e, a troco de quê?

Mas, afinal, o que é burnout?

A síndrome de burnout é também conhecida como a Síndrome do Esgotamento Profissional. O conceito de profissional, aqui, não se limita apenas a quem trabalha fora de casa, mas aqueles que têm muitas tarefas e que seja necessário repeti-las por um longo período. Podem ser citados como exemplo profissionais da saúde; da política; da educação; donas de casa; policiais; mães, etc. Todos estão sujeitos a essa condição se não entenderem que é preciso parar. É preciso descansar e recarregar a bateria.

Tem uma frase de um psiquiatra – o qual admiro bastante –, Saulo Barbosa, que diz que: “é preciso descansar para servir melhor. Como a onda que recua antes de arrebentar”. Sem descanso, o ser humano se esgota, se queima por completo. É esse, inclusive, o significado da palavra burnout, de origem inglesa, que significa: queimar-se por inteiro.

Diferente da preguiça, que tem um quê de negligência, a consciência não grita. É algo simples: eu preciso fazer, mas eu não quero; aqui está mais legal, mais confortável. 

O Burnout, diferentemente, vai minando e queimando as forças, a alegria, a vontade, o ânimo… E você ainda se sente culpado por parar. E o tratamento é exatamente parar. Não por completo, mas diminuir o ritmo; respirar; alimentar pensamentos leves durante o dia.

É necessário um profissional que te ajude e te lembre que sua vida não é somente produzir. É preciso usufruir também. Não só plantar, mas colher. 

É necessário entender, portanto, que a sua culpa em recuar faz parte do sintoma. Mas deixa eu te contar uma coisa: a virtude da fortaleza está entre fazer o que é preciso ser feito e recuar quando necessário. Forte é quem se convence de que é necessário recuar, ainda que seja difícil fazê-lo.

Simone Mayara

Analista política, é especialista em Direito Internacional e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política. Atualmente é sócia na consultoria de diplomacia corporativa Think Brasil.