Bemdito

Fazer nada é remédio

Último capítulo do desafio de sobreviver à síndrome de burnout
POR Simone Mayara

No último texto sobre minha experiência com o burnout gostaria de focar no dito vilão: o trabalho. A síndrome de burnout foi reconhecida pela Organização Mundial da Saúde como uma doença do trabalho e desde o primeiro texto falamos do papel desse tal vilão aqui. Mas algumas coisas precisam ser ditas e que talvez a gente perceba que ele não seja tão mal assim.

Pensemos o trabalho como a maneira pela qual desenvolvemos nossos dons e habilidades e que nos fornece as condições de subsistência. Alerta que já dei nos outros textos: não romantizemos! Óbvio que nem todo mundo faz o que ama e sonhou, óbvio que partes do trabalho serão apenas chatas…sejamos realistas. Essa atividade está presente em nossas vidas e toma boa parte do nosso tempo e pode ser veneno sim, mas também pode colaborar para a cura.

A parte do veneno vem de uma separação em pacotes das atividades sendo que somos seres integrais , e mais abaixo a psicóloga tratará disso , perder essa perspectiva colabora para a alienação  e esvaziamento de si. Respeito imensamente quem opta por se definir convergindo o que faz profissionalmente com quem é, mas quando esse movimento ocorre por forças externas – o furacão que comentei com vocês- a doença é o destino mais certo. O incentivo vem também de um mundo no qual o cansaço é glamourizado. “Não ter agenda” é quase uma resposta chique. Falei sobre isso no primeiro texto quando tratei do meu preconceito com a doença e na minha dificuldade de aceitar: nunca achei chique, acho brega. E mesmo achando brega caí no conto de: só dá pra ser se for assim.  

Não, não é. Sobre a organização dos incentivos externos à doença sei que é mais complicado falar. Minha situação é bastante boa tendo em vista que trabalho em um mercado aquecido no momento da minha crise e tenho um currículo interessante, mudar o fora não é problema. Sei que para nem todo mundo é assim. Mas há o que mudar dentro, e essa mudança só é possível ser feita antes de a doença chegar ou, depois do diagnóstico tomando bastante consciência…e de preferência com uma rede de apoio das boas.

 Talvez em algum momento eu tenha perdido o parâmetro mas hoje percebo que aonde há tanta divulgação e auto exaltação por trabalhar demais vejo várias coisas menos altruísmo ou competência. Necessidade de auto afirmação advinda de uma insegurança, falta de equilíbrio e desordem nas prioridades costumam ser os reais motivos. Lembrar disso com firmeza é importante e ver no trabalho algo além de atividade de máquina.

Ter nas atividades que executa uma forma de sair de si e servir ao outro. E você nem precisa ser madre teresa, pode trabalhar no mercado mesmo como todos os mortais longe da santidade, mas achar sentido para além do robótico ou de inflar o ego. Servir como forma de sair de si e da própria cabeça pode parecer paradoxal quando pensamos que o burnout faz exatamente que nos esqueçamos de nós e parte do tratamento é parar e olhar de novo com carinho para a própria vida. Mas servir ao outro colabora para que voltemos a ter horizonte.

 Se não há horizonte de descanso, estou me queimando. Se não há horizonte de realização e sentido no que estou fazendo, o gasto de energia irá me consumir sem iluminar nada. Por isso reforço a importância de se fortalecer para nem entrar no furacão. Sem suas prioridades claras e a perda de sentido no que faz não é tão absurdo assim ter uma agenda sempre cheia demais para tudo o que realmente importa, e com os incentivos do mundo de que isso sim é sucesso. Sem reforçar dentro, não vai importar o fora. Acredite em mim, é possível ser triste em Dubai. 

Por isso é fundamental olhar para si para entender quem é, o sentido do que faz e suas prioridades. Assim o  cansaço vai ser  parte pois virá do serviço consciente. Não  dor, mas consequência e dessa forma o  descanso não é peso mas parte do ciclo. 

Sobre isso, a psicóloga Paula Sousa:

É preciso reconhecer que somos integrais. Temos várias áreas na nossa vida que se comunicam entre si. Focar em apenas uma e esquecer que você pode descansar, estar com amigos, comer, dormir, tomar um banho relaxante, é assinar seu próprio esvaziamento.

É como se você não tivesse nada além disso: entregar, produzir.

É preciso se abastecer de tranquilidade, de paz, de leveza… Justamente para produzir melhor.As nossas áreas são: espiritual, familiar, profissional, social e pessoal. Todas juntas e hierarquizadas entre si. O descanso está em todas elas. Muitas vezes será necessário ajuda de psicoterapia e medicação. Isso vai te deixar mais forte e mais estável, até que você consiga dar valor ao que importa: servir melhor. Que é diferente de queimar-se por inteiro até desaparecer de sua própria vida.

Para concluir, gostaria de agradecer ao BemDito a chance de trazer para esse espaço que me deram algo tão pessoal e no momento em que me senti pronta. Poderia escrever muito muito mais sobre essa experiência que sigo lidando. O tratamento não acabou, a maioria dos dias têm sido bons…mas os não bons ainda existem. O burnout foi um furacão na minha vida, causa dores que nem me cabe expor aqui mas espero ter colaborado para que alguém nem chegue a isso. E se chegar, que consiga buscar tratamento e sair. Não tratei aqui de uma ferida aberta mas de uma cicatriz.

Simone Mayara

Analista política, é especialista em Direito Internacional e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política. Atualmente é sócia na consultoria de diplomacia corporativa Think Brasil.