Bemdito

Não tem homem em Fortaleza!

O terrível drama de uma cidade desguarnecida de solteiros disponíveis
POR Paula Brandão

Mocinhas, passeando com nossas bermudas cós alto e camisetas cortadas, andávamos de uma ponta a outra do point mais transado da Parnaíba, no Piauí: beira-rio. Víamos os rapazes e chegávamos à conclusão de que não havia homens naquele lugar para nós! Na nossa meninice imaginávamos que, se emigrássemos para Fortaleza, modificaríamos a dura realidade da falta de um bom rapaz que aliviasse nossos peitos arfando de desejo por se apaixonar de verdade.

Não preciso nem dizer que isso foi no século passado. Vim mesmo para cá de mala e cuia com intento de estudar e, como dizia meu pai, para arranjar o que acreditava ser o “melhor casamento”: um emprego e um salário para chamar de meus! Esquecendo as tolices daquela época, acabei casando também – além dos estudos e emprego – com um piauiense que conheci no Ceará. Ressabiada com aquele pensamento pueril, como se os homens a 500 quilômetros de distância fossem tão diferentes quanto um nascido na França e outro nos Estados Unidos, dizia que só aceitei a possibilidade de casar com um conterrâneo, porque conheci aqui em Fortaleza. Risos. Muitos.

De lá para cá, fiz muitas amizades sob o sol forte do nosso Ceará e, ao todo,  já tenho mais tempo de cearensidade que no solo piauiense. Sempre tive muitas amigas solteiras que me acompanhavam nos bares e cafés da vida. E vivenciava o desespero de algumas delas que nunca, embora se empenhassem muito, estavam namorando. Sempre em rolos e esperanças de um novo amor, permaneciam incansavelmente sozinhas, sendo o ouvido amigo do cara por quem estavam apaixonadas.

Tenho agora escutado, de modo contundente, os reclames de algumas mulheres solteiras, já cansadas de gastar sola de sapato nos bares e festas, que resolveram dar uma chance para os relacionamentos entre mulheres. Muitas “minas” têm tido essa ousadia e estão experimentando novos modelos afetivos. Para a última geração, as jovens que hoje têm 14, 15 anos, esse texto da tia está ultrapassado. É que elas já nasceram entendendo que não precisam ficar circunscritas a taxação de ser isso ou aquilo. Elas namoram com pessoas, e que boa notícia: que estão também dispostas a se relacionarem!

Mas eu falo aqui para as amigas, conhecidas e parceiras de diálogo, que têm mais de 30, são heterossexuais e pedem que eu escreva sobre o fato de Fortaleza não ter homens para namorar. Uma delas me disse o seguinte: “Não falta homem aqui se você quiser transar, basta entrar numa dessas redes de relacionamentos, que você sai com quantos desejar. Mas se procurar algo a mais, um namoro por exemplo, não existe.” 

Outra amiga disse que eu precisava escrever sobre a síndrome de Peter Pan. Os homens que ela encontra padecem da dificuldade de crescer, dificultam qualquer passo que possa ser dado de independência, são meninos que se acomodaram nesse lugar e não cresceram mais. Dever ser doloroso para uma mulher ficar esticando esse homem para ver se ele aumenta de tamanho! 

Contudo, considero mais adequado falar sobre o Complexo de Cinderela, de Colette Dowling, livro que fez sucesso nos anos 1980. A autora defende que desde tenra infância fomos criadas para depender de homens e, quando nosso intelecto dita autonomia, ficamos apavoradas! Ela adverte que as mulheres estão sempre esperando serem salvas e cuidadas, e o complexo se configura como uma rede de atitudes e temores, uma vez que as mulheres esperam que algo externo venha a transformar suas vidas.

Ontem saí para um desses barzinhos noturnos em que as pessoas vão paquerar. Eu fiquei impressionada com a quantidade de mulheres chegando, parecia que tinham parado várias topics cheias delas. E não chegava nem um mototáxi com um boy solteiro. Os poucos que chegavam estavam atados, atavicamente, às mãos de suas namoradas. 

Numa ida ao banheiro ouvi uma discussão entre três amigas para decidir com quem ficariam dos rapazes sentados à mesa. Na lógica criada ali por elas, havia uma hierarquia estabelecida por quem chegou primeiro, viu antes ou já tinha bebido mais e precisava logo arranjar um companheiro de noite. Eu fiquei pensando que, quando eu e minhas amigas solteiras achávamos que aqui era o oásis masculino, estávamos à procura do objeto perdido. 

Se você não está disposta a jogar esse jogo, de estica e puxa, bota e tira, e descer aos infernos para encontrar um namorado (amiga, pelo que vi nem valia a pena, uns cabravéi baixinhos, bombados e um que me fez morrer de rir, contando com a solidária gaitada do meu companheiro, quando eu mostrei o que tinha escrito nas costas de sua camiseta: “Magic trip”) se permita viver sozinha, saia para viajar com suas amigas, “antes só que mal acompanhada” ainda tá valendo. Se fizer questão mesmo e acreditar que “é impossível ser feliz sozinha”, veja se as suas janelas e portas podem ser arejadas em novas perspectivas. Pode ser que você esteja esperando por um exemplar que nunca vai chegar.

Paula Brandão

Doutora em Sociologia pela UFC, e professora do curso de Serviço Social (Uece). É pesquisadora na área de gêneros, gerações e sexualidades. Membro do Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania (Labvida) e integra o Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência (NAH).