Fortaleza sob as águas
O que a quadra chuvosa ensina sobre planejamento urbano, equilíbrio ambiental e inteligência construtiva
Gabriel Aguiar
bemditojor@gmail.com
A primeira semana de março começou caótica. Alagamentos na Beira-Mar e em ruas do entorno interditaram a passagem e adentraram casas e estabelecimentos comerciais. Moradores antigos da localidade afirmaram que nunca haviam presenciado um alagamento como aquele na região, levantaram questionamentos e desconfianças sobre as recentes obras de aterramento e requalificação da orla. Embora essa situação específica seja uma novidade, qualquer morador de Fortaleza atento sabe que os alagamentos são um problema de longa data na cidade, sobretudo na periferia.
De fato, todo o caos da Beira-Mar foi causado pela ineficiência da estrutura de drenagem pluvial construída na faixa de areia da praia. Toneladas de sedimento, em seu movimento natural, se depositaram na boca da saída da água coletada, assim como se depositam sobre a Rodovia CE-010, também sobre as recentes obras de areninha e calçadão da Avenida Pontamar, hoje completamente enterradas. Todos esses exemplos são consequência da mesma prática: planejamento da cidade sem considerar as características naturais do território.
Aumento da impermeabilização do solo, retificação e canalização dos rios, aterramento de lagoas e riachos, substituição de terrenos drenantes por asfalto e desmatamento de áreas verdes são iniciativas cotidianas daqueles que planejam e tomam as decisões sobre os usos e a ocupação do solo de Fortaleza. Essas medidas são amplamente conhecidas como aceleradoras do escoamento da água das chuvas e redutoras do volume de água naturalmente absorvido e drenado aos corpos hídricos sem causar alagamentos. Todas essas funções naturais gratuitas que, sem intervenção humana alguma, realizam plenamente as funções que gastamos milhões para realizar parcialmente, são chamadas de serviços ecossistêmicos.
Para evitar os alagamentos e as inúmeras consequências negativas deles à economia, à saúde pública, à segurança e ao bem-estar da população, o ideal seria buscar a eficiência já consensuada entre os urbanistas: medidas não estruturais. Descortinar rios, riachos e lagoas, recuperar a vegetação ciliar da cidade, modernizar a pavimentação aumentando a permeabilidade do solo, livrar a faixa dunar da praia e aplicar com eficiência a legislação ambiental que coíbe a construção de estruturas em áreas ambientalmente sensíveis. Dessa forma, a cidade não apenas seria modernizada, como haveria significativa economia de recursos. O paradigma de que a cidade para ser boa precisa se distanciar das paisagens naturais foi derrubado há algumas décadas, resta agora a Prefeitura correr atrás do prejuízo, de uma forma ou de outra.
Gabriel Aguiar é vereador eleito em Fortaleza, biólogo e mestre em ecologia. Está no Instagram.