Bemdito

O que os cabelos brancos dizem das mulheres de hoje?

Repensando o amadurecimento e a as marcas da passagem do tempo no corpo
POR Paula Brandão

A pandemia nos proporcionou um lugar ímpar de aprofundamento das questões íntimas e, ao mesmo tempo, universais. Vivíamos tão no automático, esmagadas por um cotidiano exaustivo que mal parávamos para pensar sobre o que adotamos como modo de ser e estar nesse mundo. Muitas de nós, voltaram ao passado e retomaram certas práticas, aprofundaram a espiritualidade e o que de fato fazia sentido, quando a morte parecia à espreita.

Percebi que muitas mulheres começaram a aderir aos cabelos brancos. E li, em alguma coluna que, enfim, as mulheres conseguiram sua liberdade ao fugir da ditadura das tintas, das horas extenuantes de salão quinzenal para pintar a raiz e que agora tinham apaziguado sua relação com o envelhecimento. Será que é isso? Sei que a velhice não tem relação direta com uma faixa etária, mas com um conjunto de signos adquiridos e outros perdidos. 

Nas minhas conversas com o público feminino, uma delas me disse que estava em dúvida se deixava o cabelo alvejar, ao que socorri dizendo que ficaria estilosíssima, mas que achava que merecia um corte mais radical, fora do padrão convencional. Outra me disse que estava adorando seus cabelos aparecendo os primeiros brancos, mas que não abria mão dos seus procedimentos estéticos faciais, que asseguravam um frescor e jovialidade. Teve outra, ainda, que começou a fazer práticas variadas para que os cabelos embranquecessem à medida que o corpo ia ficando mais “sarado”, e as pessoas pararam de se concentrar no cabelo, e passaram a elogiar a sua silhueta. Parece-me que tudo isso diz menos sobre aceitar o envelhecimento, e mais sobre outros processos pessoais e de reafirmação feminina.

Particularmente, prefiro passar horas pintando os meus, do que enfiando agulhas pelo rosto para despistar as rugas e perdas ósseas que vêm com a idade. Esses procedimentos, a que “ainda” não me submeti, me parecem mais custosos do que ficar colorindo as madeixas e morrendo de rir no salão de beleza com os profissionais com quem aprendo parte das coisas que sei sobre a vida, e tomo nota de certas questões para minhas matérias na coluna. É ali que descubro tudo sobre os chifres alheios, o que anda em alta na mídia, e ainda me pedem conselhos, tanto as manicures quanto as clientes, mais pessoais que minhas próprias amigas. Em salão se ouve de tudo. A mulherada usa como espaço terapêutico.

Mas eis que as divas do Sex in the City – And Just Like That, apareceram nas telinhas maravilhosas e com os cabelos brancos. Miranda enfrentou diálogos difíceis com Charlotte, que não aceitava o novo formato e ela disse algo interessante, mais ou menos assim: “seu receio não é o que vão pensar de mim, mas o que vão dizer de você e da idade que tem por estar comigo.”

Sim, acredito nisso. Para minha tese, entrevistei à época uma professora de Filosofia que me disse que as suas amigas estavam revoltadas por ela ter deixado os cabelos ficarem na cor natural de sua idade. Ela dizia que nada mais era que a descoberta, a olhos nus, de que elas eram da mesma idade. Ela dizia que não ia deixar que isso mudasse sua decisão. Nesse período, há quase dez anos, ainda não era moda.

No Brasil, até bem pouco tempo, dizia-se que “as mulheres não envelheciam, ficavam louras.” Esse era um padrão adotado por grande parte delas desde os primeiros fios brancos devido à proximidade dos tons. Já os homens pouco se preocupavam com os seus, pois eram associados à experiência e ao charme, dizia David Le Breton, em Antropologia do corpo e modernidade. Eram os famosos “sedutores das têmporas cinzas”, referindo-se aos qualificativos, nunca antes associados a uma mulher. 

Sabemos que os padrões sociais e estéticos recaem bem mais fortemente sobre as mulheres. E, seja como for, aquelas que adotam cabelos brancos também marcam um novo lugar em que antes não podiam estar. Mais um ponto para todas nós, que agora podemos ser grisalhas de cabelão, com corte fashion, de cor azul, verde ou vermelho. No fundo, é muito limitante não quebrar com esse e tantos outros tabus femininos que nos ligam à obrigação de uma aparência eternamente jovem e bela. Sigamos enfrentando essa batalha pelo direito de ter o cabelo, o corpo e a vida do jeito que desejamos!

Paula Brandão

Doutora em Sociologia pela UFC, e professora do curso de Serviço Social (Uece). É pesquisadora na área de gêneros, gerações e sexualidades. Membro do Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania (Labvida) e integra o Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência (NAH).