Bemdito

Os votos duplos para mulheres e pessoas negras

Uma estratégia de fortalecimento dos princípios de diversidade e inclusão em nosso sistema político
POR Paula Vieira
Plenário do Senado Federal (Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado)

No ensejo das novas regras eleitorais, como venho apresentando nesta coluna desde o Novo Código Eleitoral, uma mudança também chama atenção: a contagem de votos para mulheres e negros que funcionará a partir das eleições 2022. 

Na mudança, os votos dirigidos para mulheres e negros contarão duplamente para o cálculo de distribuição do fundo partidário e eleitoral. A medida tem alguns desdobramentos interessantes para discutirmos em termos de representação política para o legislativo. 

Em texto publicado no Bemdito, a pesquisadora Monalisa Soares e eu analisamos o papel dos partidos políticos para incentivar a candidatura e eleição de mulheres. A distribuição dos recursos funciona como parte desse incentivo, ou seja, com o voto duplo, há potencial investimento nessas candidaturas, acrescidas de incentivo para candidaturas de pessoas negras. 

Do ponto de vista de estratégia eleitoral, uma possível consequência apresentada é que sejam colocados nessas vagas os chamados “puxadores de votos”, expressão utilizada para se referir a mulheres e pessoas negras que já tenham visibilidade na cena pública, não necessariamente no campo político, e que atrairiam votos em potencial, aumentando assim as bancadas partidárias. 

Essa ideia, entretanto, esbarra na cláusula de desempenho individual, pois a candidatura precisa, necessariamente, do mínimo de 10% dos votos do quociente eleitoral. O impacto será, em termos eleitorais, na distribuição dos recursos. 

Do ponto de vista partidário, as legendas são estimuladas a lançar candidaturas para ter acesso a mais recursos dos fundos partidário e eleitoral. Desse modo, torna-se uma estratégia interessante incluir mulheres e pessoas negras.

A deputada Carla Zambelli (PSL) considerou que a medida torna a competição política desigual. Desconsiderou, entretanto, que a competição já é desigual. É também por isso que se utiliza a expressão “ação afirmativa”: é necessário afirmar, com efeito de busca de garantia de direito à representação política, a existência de grupos e demandas diversas que não são representadas no espaço institucional proporcionalmente a sua existência social. 

Considero que o efeito principal está na possibilidade de ampliar a representação política para além do perfil que até então tem sido predominante no Legislativo. No caso das mulheres, por exemplo, o aumento de 15% de cadeiras no parlamento já nos trouxe para discussões de pontos importantes, como a violência política contra mulheres. 

Incluir pessoa negras é, para dizer o mínimo, ampliar a pluralidade de ideias a serem representadas. É trazer para o espaço político conhecimentos e experiências que são parte da formação sócio-histórica brasileira.  

Observamos, também, que a medida não beneficia apenas um espectro ideológico, pois, como temos acompanhado, as mulheres eleitas e que vem construindo capital político no espaço público são diversas. 

Um efeito possível é criar no legislativo bancadas de interesses, e esse formato já é conhecido: bancada da bíblia, bancada do agronegócio, dentre outras. De todo modo, a representação plural ampliada conduzirá a novos jogos políticos no âmbito institucional, pois há pautas de consenso, que são comuns, e outras que se distanciam: representam os jogos de conflitos e consensos inerentes ao exercício da política.

Paula Vieira

Doutora em Sociologia e professora da Unichristus. Integrante do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM). Pesquisa sobre instituições políticas brasileiras com ênfase na dinâmica do Legislativo.