Bemdito

O BBB da broderagem

Uma resenha básica para quem não viu a edição dominada pelos brothers
POR Paula Brandão

Fiquem aliviados: a edição de 2022 do Big Brother Brasil tem os dias contados. Mais precisamente, três dias! Ufa! Respirem tranquilos! Ninguém mais perderá um minuto falando dessa besteirada toda. Contudo, nos últimos 45 do segundo tempo, vamos aproveitar para analisar um programa paradigmático para pensarmos o nosso país e, que, em caráter inédito nas mais de duas décadas de existência, dos vinte integrantes iniciais, o chamado top 5 dos finalistas, só teve homens!

Aliança, parceria, força, estratégia, racionalidade e emoção são palavras que reverberam nos comentários ao referir sobre esse fenômeno. São homens cis, dois negros e três brancos, quatro deles com filhos. Adultos, famosos, mas sempre protagonizando cenas de brincadeiras, afetos, abraços e beijos trocados entre si, esses “meninos”, como os chama o apresentador Tadeu Schmidt, viveram como se estivessem no parque da Disney. Por que esses caras foram escolhidos pelo telespectador? 

Em conversa com uma mulher vendedora de artigos femininos, ela me disse: “Olha, não é uma questão de ser mulher ou homem, mas a verdade é que nenhuma das mulheres conquistou a gente.” Bom, sempre que me dizem que não se trata de uma questão de gênero, nas entrelinhas eu leio que sim, é! Lá na casa da Globo, as brancas ficaram num quarto chamado de Lollipop. Havia miss, médica, dançarina, influencer, modelo e atriz. 

As mulheres negras ficaram no quarto com os homens e foram chamadas de “as comadres”. Uma delas tinha vitiligo, a outra era travesti, e havia uma aliança forte entre elas, cercada por crises de ciúmes, brigas e afetos. Foi Linn da Quebrada, que teria a chance de ser a primeira travesti a ganhar o programa, que após brigas e desentendimentos entre elas olhou, para o grupo dos homens, e observou que eram unidos e se fortaleciam mutuamente de forma impressionante. Um sempre enchia a bola do outro.

Além do grupo deles apelidado de “Disney” ter ganhado quase todas as provas de liderança e colares dos anjos que podiam imunizar os participantes, tiveram muito carisma e, também, sorte. A camaradagem dos boys foi tão rápida que, após 3 meses de confinamento, Paulo André, atleta olímpico, olhou entre lágrimas para Pedro Scooby e disse: “Eu não quero nunca que você duvide do meu amor por você. Não sei explicar.” PA, que tem um filho de quatro meses, teve um namoro rápido com Jade enquanto ela ainda estava na casa, e vai chegar à final do programa tendo como ponto forte o coração grande! É isso mesmo! Considerado leal, companheiro, vive abraçando os amigos que escolheu na casa, trocando carinhos e beijos. Mas tinha certa “marra” para falar com as meninas, que eram seu alvo na votação para o paredão.

Os cinco “moleques”, como Scooby dizia, viviam brincando e se fortalecendo, dividindo uma jacuzzi juntos, de mãos dadas, beijando um a mão do outro; tomando banho a dois no box individual, e aproveitavam para se depilar nas partes íntimas; cortavam o cabelo uns dos outros, depilavam as costas do coleguinha, enquanto o outro raspava as axilas. Tiveram conversas sobre várias “paradas”, como quando estavam excitados ou sobre um deles que teve polução noturna. Eu imagino se não tivessem câmeras filmando por todo lado… Era bonito de ver isso tudo, né, Brasil? Homens unidos, acordando com o pênis ereto, protagonizando cenas viris, na maior ‘broderagem’, enquanto as meninas se desentendiam e tentavam se acertar? 

Mas surpreendente mesmo foi o povo cair de amores por Arthur Aguiar, que será o milionário dessa edição. O “escolhido” entrou na casa, sendo conhecido menos como ator, e mais pelas traições (mais de vinte, trinta vezes, já ouvi vários números) enquanto a esposa ainda amamentava a filha deles recém-nascida. Como o próprio diz “pensava que sairia no primeiro paredão”, mas vai acabar campeão. O branquinho bonito, cara de bom moço, corpo bombado, todo chatinho, ôps, certinho, apelidado de “pãozinho” pela torcida aqui de fora, se revelou o cara que fez tudo aquilo de errado porque não era um cara de Deus, mas agora, que aceitou Jesus, foi salvo!

No melhor estilo Durval Lélys, “na casa do senhor, não existe satanás, xô satanás”, o convertido evitou proximidade com as mulheres (e homens, dizia que jogava sozinho), não bebia nas festas enquanto todos ficavam às quedas, limitava-se a comer muito e observar o que os bêbados faziam e diziam. Como todo bom convertido evangélico, que segue a teologia da prosperidade, fez um trabalho duro para conseguir chegar ao topo: dormiu muito(rs), e, quando acordava, só pensava em estratégias de jogo, táticas e alianças, e não perdeu tempo com sentimentalismos, “brincadeiras bobas e gostosas” como chamava Linna, e foi só racionalidade.

Quando fez todas as provas do líder e clamava para ganhar as provas, Deus estava distraído, pois só ganhou, em todo o jogo, uma vez e ainda dividida com o Lucas. Que o Brasil que acha tudo isso uma tolice, um entretenimento de quinta categoria, observe como mulheres brancas e negras, Lgbtqia+, foram eliminadas, sem perdão. Enquanto assistimos à celebração da lealdade masculina, a aprovação de uma virilidade heterossexual, e a aclamação de um homem como Arthur: duro, impassível, racional, manipulador e que sabe lidar com fortes tensões.

Modelo este que vem se projetando nos últimos anos no Brasil, numa onda conservadora nacionalista que rechaça os avanços feministas e gays já conquistados. Veremos a ascensão de um jovem pecador convertido, falando em nome de Deus e da família, que não tem coração, só cabeça para planejar seu próprio sucesso! Coloquemos as barbas de molho…

Paula Brandão

Doutora em Sociologia pela UFC, e professora do curso de Serviço Social (Uece). É pesquisadora na área de gêneros, gerações e sexualidades. Membro do Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania (Labvida) e integra o Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência (NAH).