Bemdito

Um retrato do homem à brasileira

Bonito, inteligente, odeia feministas e quer uma mulher virgem pra casar
POR Paula Brandão

Uma pesquisa encomendada pela G-Q Brasil ao Instituto Ideia, em abril de 2022, revela o que nunca duvidamos: a autoestima masculina bate no teto de um edifício com pé direito alto! Veja bem, o homem brasileiro respondeu que é lindo! Exatamente! Sabe aquele cabra que você encontra por aí, de camisa manga 3/4, sapatênis e cavanhaque alinhado? Amiga, ele se acha lindo! Apenas 3% dos entrevistados disseram que são feios. Eu conto ou vocês? E tinha uma perguntinha, sobre quem eles mais admiravam como homem, e 7% responderam: “eu mesmo”.

Entendo que toda entrevista leva os indivíduos a uma autoanálise, um esforço reflexivo para entender sobre dada questão e formular uma resposta para o outro. O homem que respondeu assim não teve a menor cerimônia em usar tais argumentos. A metade deles afirma que evita parecer gay ao se vestir. Mas já usa camisa rosa, 30% pintam as unhas e 37% poderiam usar maquiagem.

Embora os “bonitos” também se considerem inteligentes, 66% admitem que as mulheres podem ser tão inteligentes quanto eles. E 86% não teriam problemas que a mulher ganhasse mais; 55% disseram que aceitariam ter um filho homossexual. Como sempre eu digo, a sociedade não é um tabuleiro do jogo da vida, que avança casas, recua outras; que corre o risco de perder tudo e voltar para o início, a depender do que os dados apontem. Não! Tranquilizemo-nos que avançamos, sim, em muitas pautas de equidade de gênero e que tem até homem que admite, hoje, que podemos ser tão brilhantes quanto eles! (risos) 

Ainda que tenhamos voltado algumas “casas” no campo das políticas para as mulheres e população LGBTQIA+ em virtude dos retrocessos políticos vividos nos últimos três anos, as conquistas dos movimentos sociais ainda podem ser sentidas. No entanto, algumas questões estão longe de serem superadas! Por exemplo, o jovem de 18 a 24 anos é o mais conservador de todos, pois afirma valorizar e cobrar a virgindade da mulher para casar. Apenas 49,3% afirmam que o hímen não tem importância. Ou seja, mais da metade diz que ter um hímem é relevante para uma mulher. Estamos em 2022, gente!

Resolvi trazer esses dados por me sentir desabrida e entender que refletem um recorte populacional significativo, de todas as regiões, e para explorar os sentidos desses números. Os homens se mostram abertos para certas questões, mas não superam tabus. Dizem ser a favor da criminalização do aborto e 44% contra o feminismo, enquanto 23% não sabem dizer.

Os mesmos homens que são contra a interrupção da gravidez que acontece em corpos femininos, são os que as deixam sozinhas nesses momentos. Não admitem, mas são atrozes em culpá-las quando tomam a decisão nesse sentido, mas não são tão duros com eles próprios quando as abandonam e deixam seguir suas carreiras de mãe solo para o resto de suas vidas, como reflete a realidade brasileira. 

É melancólico observar que esses homens tão belos e seguros de si tenham uma inteligência que pouco serve para pensar quando o assunto é entender que as mulheres têm os mesmos direitos que eles. O Feminismo é um movimento que só existiu porque as mulheres precisaram lutar muito para ter o direito de votar e serem votadas, por exemplo! Para reivindicar frequentar – eu juro a vocês! – as mesmas escolas e Universidades a que os homens já iam. As mulheres se uniram em nome do Feminismo, para que pudessem ter uma formação que lhes possibilitasse trabalhar e ser independente dos seus tutores, sejam pais, irmãos ou maridos. 

Esses movimentos que são plurais e há muito tempo deixaram de ser representados apenas por mulheres brancas e das Universidades, ganharam cor ao trazer questões interseccionais e que refletem questões das mulheres negras, latino-americanas, caribenhas e comunidades indígenas. Esse caminho de conquistas é sem volta! Os homens deveriam ser parceiros, e não questionar os direitos de nos colocar no mesmo pé de igualdade que eles. Mas admitir isso significa abrir mão dos seus privilégios, numa sociedade cisheteropatriarcal.

Ressinto-me em ratificar que essa pesquisa revela que o segmento mais conservador masculino é o de jovens. Têm horror às feministas e a que as mulheres conquistem os direitos iguais aos deles. 60% dizem desejar ter porte de arma. O que a juventude masculina brasileira afirma, em pleno século XXI em nosso país, é insidioso: a virgindade é importante, é a favor da criminalização do aborto, feminismo não, armas sim! Lembro que foi feita grande campanha para que os jovens tirassem os títulos de eleitores no último mês. Serão eles o futuro do país? Espero que não!

Paula Brandão

Doutora em Sociologia pela UFC, e professora do curso de Serviço Social (Uece). É pesquisadora na área de gêneros, gerações e sexualidades. Membro do Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania (Labvida) e integra o Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência (NAH).