Bemdito

Reflexões bourdieusianas

Há como fugir da classificação e do julgamento?
POR Cláudio Sena

Com o nascimento de um ser humano, nasce também a necessidade do julgamento do outro e, posteriormente, também de si. Dizer o que pensa ou apenas pensar sem dizer parece ser nossa condição como indivíduos construídos pela sociabilidade. Como consequência deste esforço, às vezes involuntário, surge a classificação.

Chega a dar satisfação para alguns dizer o que pensa sobre a roupa, o consumo de música, a refeição, as relações sexuais do familiar, do colega de trabalho ou do pedestre nunca antes visto. Muitas vezes, esse processo diário ocorre sem que se especule sobre os efeitos das “palavras-carimbo”. Ora, menos ainda a considerar a história de vida, as condições sociais ou, simplesmente, o estado emocional do do julgado. 

Pierre Bourdieu gastou um bocado de neurônios tentando compreender, além do que nos une, o que nos faz diferente. Na verdade, ele foi além, buscando o que nos impele, a partir desta diferença, a classificar, sobretudo, o outro. Para ele, apesar de um ato democrático, no sentido descompromissado do termo, quem classifica está sujeito também a sofrer classificações. Ou seja, cuidado ao falar do vizinho, do chefe e do amigo do crossfit. 

Mas calma. Não é toda palavra que tem imensa importância. Nem toda classificação tem peso 2. A alguns cabe domínio do “poder da classificação eminente que tem efeitos sociais muito importantes”. Não basta fazer sentido o que está sendo proferido sobre algo ou alguém. É preciso deter o controle do poder de classificar, ter uma aura simbólica que o autoriza a classificação e, consequentemente, o julgamento. 

Dentro de limites mais ou menos introjetados na sociedade, tais julgamentos são aceitos e até reproduzidos, a não ser que ocorram insultos, sobretudo, sem base para tal ato. “Em outras palavras, aquele que insulta é um classificador que corre riscos extremos.” 

Aquele que vocifera “idiota”, “imbecil”, “energúmeno” ou mesmo “abestado” atrai também para si a atenção da audiência. Que julga-o. Aí, meu patrão, é melhor se garantir ou o idiota vai ser aquele que insultou.

“O idiota é aquele que profere um insulto contra não importa quem, não importa o quê, sem ter autoridade para fazê-lo. É aquele que se expõe a ficar preso na idiossincrasia, na solidão absoluta daquele que não tem ninguém para apoiá-lo.”.

Isso me lembra tanta gente.

Cláudio Sena

Doutor em sociologia, professor, pesquisador e publicitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto.