Bemdito

Protestar pode custar muito caro

Em tempos de exibicionismo virtual, até as exclusivas bolsas Chanel viram arma de guerra (e tudo em nome do engajamento)
POR Cláudio Sena

A grife Chanel sofreu um duro golpe. Após a invasão da Ucrânia e a decisão da marca francesa por suspender negócios com a Rússia, um exército inesperado resolveu tomar uma decisão drástica. Um grupo de elite, ou melhor, da elite, composto por blogueiras, influenciadoras, youtubers, jet setters, etceteras passou a lâmina em bolsas chiquérrimas e, principalmente, caríssimas. Recorreram até às tesouras de jardinagem para estraçalhar os objetos de desejo. Originais, bien-sûr.  

Habitando neste tempo histórico mais ou menos contemporâneo estamos acostumados a presenciar protestos de todas as ordens. Pato ao lado da FIESP, pecuaristas fazendo churrasco em frente a agências bancárias, coreografia pró-impeachment, unhas pintadas de branco, nus e nudes variados. Exemplos mais chocantes talvez venham de fora do Brasil, como as ações da organização feminista Femen e do PETA, além das trágicas cenas das autoimolações de monges tibetanos. 

O corpo, primeiro e último dos recursos, antes posto à prova na linha de frente das manifestações de rua, passou, neste caso das influenciadoras, a ser substituído por objetos de extremo luxo. Mon Dieu, quem diria? Talvez seja apenas assim que algumas mentalidades se permitam sentir algo: mexendo no bolso ou na bolsa.

“Nenhuma bolsa, nem uma única coisa vale meu amor pela minha pátria”, afirmou uma das influenciadoras. 

A estética, o status, os valores tangíveis e intangíveis, a diferenciação social impregnados na bolsa sendo fatiados em tiras corta corações mais que qualquer coisa, ao que parece. Por isso tal protesto deve fazer sentido. Deve? 

(Se o leitor deste texto for afeito às teorias conspiratórias, poderia justificar o corte das bolsas pela possível aproximação de Coco Chanel com os nazistas durante a Segunda Guerra e a ocorrência de grupos neonazistas na Ucrânia.)

Já que vivem de audiência e repercussão, é compreensível que tais pessoas influentes joguem com as armas que têm a tiracolo. Não me admiro se algum dos oligarcas russos ou bilionários ocidentais arranhem Lamborghinis e afundem yachts que nem mesmo conhecemos os nomes das marcas. O importante é incomodar e mostrar o descontentamento. Ah, claro, e ter audiência para acompanhar isso. Tudo em nome da pátria.

Cláudio Sena

Doutor em sociologia, professor, pesquisador e publicitário, é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade do Porto.