Bemdito

O declínio da política de segurança pública sob Bolsonaro

Ignorando 270 mil mortos, Bolsonaro continua tocando seu projeto pessoal de escalada autoritária
POR Thiago Paiva
Soldado das Forças Armadas em rua de Fortaleza em Fevereiro de 2020 (Foto: Jarbas de Oliveira / AFP)

Em plena pandemia que já matou mais de 270 mil pessoas no Brasil, o presidente continua tocando seu projeto pessoal de escalada autoritária

Thiago Paiva
r.thiagoo@gmail.com

Armamentismo. Basicamente, essa tem sido a principal política de segurança pública do governo federal comandado por Jair Bolsonaro (sem partido), pelo menos desde que o ex-juiz e ex-ministro Sérgio Moro desembarcou do governo, alegando forte intervenção do presidente no super Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), sobretudo nas investigações tocadas pela Polícia Federal. Apurações que atingiam diretamente aliados do Planalto e, até mesmo, familiares do chefe do executivo nacional.

Moro caiu e levou com ele o que restava da pauta de alinhamento das ações com os estados, no campo da segurança. Algo que levou bastante tempo para ser construído. Considerando os últimos anos, ainda no governo de Dilma Rousseff (PT), havia um engajamento em ações pontuais dos estados, por meio do Ministério da Justiça. Mas, havia também fortes cobranças dos governadores por uma maior divisão de responsabilidades e tarefas para frear os índices de homicídios no País. Camilo Santana (PT), entre eles, era uma das vozes que mais defendiam uma atuação mais enfática do Planalto.

Depois, veio Michel Temer (MDB) e a criação do Ministério da Segurança Pública, comandado por Raul Jungmann. Foi, talvez, o período em que mais houve cooperação com os estados, a nível nacional. Relação que possibilitou, por exemplo, a implementação do Centro Integrado de Inteligência e Controle para o Combate ao Crime Organizado no Ceará e outros estados. Equipamentos que, por sinal, não se sabe a quantas andam.

Depois, veio Bolsonaro, juntamente com Moro, na figura do superministro da Justiça e Segurança Pública, com o discurso demagógico de tocar uma forte “agenda anticorrupção e anticrime organizado”, mantendo as ações conjuntas de enfrentamento à criminalidade nos estados. A agenda, porém, ficou no papel e Moro deixou o governo como inimigo público do próprio Bolsonaro.

No Ceará, a participação mais direta de Moro na pauta da segurança se deu na autorização do envio da Força Nacional, durante a paralisação da Polícia Militar, em fevereiro de 2020. Motim sobre o qual o ex-ministro deu várias declarações controversas, ensaiando até mesmo apoio ao movimento ilegal.

Mas, houve também a colaboração com a nacionalização de projetos desenvolvidos no Estado, como o Sistema Policial Indicativo de Abordagem (Spia), desenvolvido pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Ceará, em parceria com a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) e a Universidade Federal do Ceará (UFC). O programa permite a fiscalização em tempo real de rua, avenidas e estradas por meio de sensores de leitura de placas de automóveis.

Agora, sob André Mendonça, e sem protagonismo, apesar de ainda reunir Justiça e Segurança Pública, o Ministério mergulhou ainda mais no papel de subordinação à cartilha do presidente, empregando recursos em ações com caráter pessoal, como a abertura de inquéritos, argumentados com base na Lei de Segurança Nacional, para investigar aqueles que fizeram declarações contrárias ao presidente.

Enquanto isso, centralizando poder, Bolsonaro se dedica a editar decretos facilitando à exaustão o acesso da população com maior poder aquisitivo às armas de fogo, sob o argumento do direito à autodefesa, como quem retira das polícias a atribuição de promover a segurança e entrega essa responsabilidade nas mãos dos cidadãos, sejam eles capacitados ou não, física e psicologicamente, para portar armas.

Em seu mais recente ato armamentista, Bolsonaro permitiu aos que possuem Certificado de Registro a posse de até seis armas; aos caçadores registrados, até 30 armas, sem a necessidade de autorização do Exército; aos atiradores registrados, 60 armamentos; e elevou ainda, de 1 mil para 2 mil, o limite para aquisição de munições de calibre restrito, e de 5 mil para armas de uso permitido. 

Para além da permissividade, o decreto reduziu a fiscalização e facilitou o acesso aos armamentos e munições, com a possibilidade de substituir o laudo de capacidade técnica, exigido por lei para colecionadores, atiradores e caçadores, por um “atestado de habitualidade”, emitido por clubes ou entidades de tiro.

Triste realidade. Em plena pandemia, que já matou mais de 270 mil pessoas no Brasil, Bolsonaro continua tocando seu projeto pessoal de escalada autoritária que poderá nos levar a um cenário desastroso e caótico. É aguardar para ver para onde essa corrida armamentista, insuflada pelo presidente, nos levará. E também onde todas essas armas irão parar. Os pressentimentos são os piores.

Um palpite: em 2018, estudo realizado pelo Instituto Sou da Paz, publicado no relatório “De onde vêm as armas do crime apreendidas no Nordeste?”, revelou que, somente no Ceará, 80,8% das 7.752 armas com registro apreendidas no Estado eram de nacionalidade brasileira, contrariando a máxima de que as armas apreendidas no Brasil vêm do tráfico internacional, de países como Colômbia e Venezuela. A pesquisa nos deu uma amostra de como, verdadeiramente, o mercado do tráfico de armas costuma ser abastecido no País.

Thiago Paiva é jornalista especializado na cobertura de segurança pública, política e judiciário. Está no Instagram e Twitter.

Thiago Paiva

Jornalista especializado na cobertura de segurança pública, política e judiciário, é assessor de imprensa e foi repórter especial no Núcleo de Jornalismo Investigativo do jornal O Povo.