Bemdito

Bolsonaro e seu amor pelas polícias

O que a indicação de Anderson Torres para o cargo de Ministro da Justiça diz sobre a aproximação entre o bolsonarismo e as forças policiais
POR Juliana Diniz
Agência Brasil

O que a indicação de Anderson Torres para o Ministério da Justiça diz sobre o vínculo entre bolsonarismo e as forças policiais

Juliana Diniz
julianacdcampos@gmail.com

Foi em cerimônia fechada, sem transmissão online, que hoje tomaram posse os novos ministros do governo federal. Entre eles, assumiu Anderson Torres, que vai para o Ministério da Justiça (MJ) no lugar do fiel André Mendonça. Mendonça foi deslocado para o MJ após a bombástica saída de Sergio Moro, e agora volta ao posto de Advogado-Geral da União, onde pode servir melhor ao trabalho que nunca deixou de desempenhar: a defesa incondicional dos interesses eleitorais e ideológicos de Bolsonaro.

Dentre todas as declarações feitas durante a posse, são as falas de Anderson Torres as que mais chamaram atenção. Investindo na ambiguidade do discurso, o novo Ministro da Justiça declarou que é papel das forças policiais assegurar um “ir e vir sereno” à população. Ao que tudo indica, Torres deve dar impulso à batalha sustentada por Bolsonaro contra os governadores que têm mantido rígidas políticas de isolamento social. O presidente elegeu como novo inimigo os decretos e os lockdowns à brasileira.

Torres é responsável, a partir de agora, por coordenar os trabalhos da Polícia Federal. Chega ao ministério como primeiro delegado a assumir o posto de Ministro da Justiça. Disse o novo ministro, referindo-se às intenções de Bolsonaro: “a segurança pública foi uma das principais bandeiras da sua eleição e ela voltará a tremular alta e imponente. Isso eu posso garantir à vossa excelência, estejam certos disso”.

A ambiguidade da manifestação de Anderson Torres pode ser melhor compreendida se atentarmos para as entrelinhas de seu discurso. Ao mencionar a preocupação com as questões sociais e econômicas, o novo ministro afirmou ter receio do que pode acontecer neste cenário em que as pessoas têm a circulação – e consequentemente – a autorização para o trabalho limitadas. Parece ter encampado a retórica bolsonarista de que o papel do presidente é estar ao lado do trabalhador faminto, injustamente impedido de ganhar seu pão.

Sua fala foi a deixa perfeita para que entendêssemos melhor as razões de sua indicação: é provável que Torres atue como longa manus do presidente na pasta da Justiça, dando força ao conflito federativo aberto pela União contra os Estados. É também o sinal de que está mais viva que nunca a aproximação do bolsonarismo com as polícias federal e militares.

Essa aproximação acende um alerta. Parece cada vez mais claro, sobretudo após a minirreforma ministerial que ocorreu na semana passada, que a principal ameaça que o bolsonarismo oferece à democracia está menos na sua capacidade de capturar o alto comando das Forças Armadas e mais na sua presença difusa, incontrolável e perigosa junto a policiais e suas famílias. Trata-se não só de uma base eleitoral fiel, mas de um grupo armado, com grande potencial de desestabilização do sistema político e um passado recente de episódios de insubordinação – o Ceará e a Bahia que o digam.

Juliana Diniz é editora executiva do Bemdito, professora da UFC e doutora em Direito pela USP. Está no Instagram e Twitter.

Juliana Diniz

Editora executiva do Bemdito. É professora do curso de Direito da UFC e Doutora em Direito pela USP, além de escritora. Publicou, entre outras obras, o romance Memória dos Ossos.