Bemdito

Oposição a Bolsonaro, uma frente ampla de rancores e exigências

A dificuldade das lideranças de oposição em estabelecer como prioridade política a agenda antibolsonarista
POR Monalisa Soares
Foto: Allan White

A dificuldade das lideranças de oposição em estabelecer como prioridade política a agenda antibolsonarista

Monalisa Soares
monalisaslopes@gmail.com

Não tem sido incomum, no último ano, ouvir  questionamentos sobre o porquê da aprovação do governo Bolsonaro em patamares que garantem competitividade no pleito de 2022, mesmo em meio a tantos desgastes evidenciados no aumento da reprovação e na ampliação de apoio ao impeachment. Eu sempre digo que essa pergunta pode ser respondida a partir de dois caminhos de reflexão.

O primeiro deles é compreender em que consiste o apoio a Bolsonaro e como se constroem as adesões políticas de sua base de apoiadores. Já tratei desse tema, em alguma medida, quando analisei nesta coluna o papel do conservadorismo moral na manutenção do apoio ao presidente em meio à pandemia, de acordo com o perfil delineado em pesquisas de opinião pública. Na ocasião, busquei destacar o papel ideológico dos discursos que o bolsonarismo mobiliza e, portanto, a importância das ideias, dos valores e dos afetos na produção dessa adesão política.

Tais elementos nos sugerem, portanto, a existência desse vínculo com efeitos estendidos ao longo do tempo. Além disso, é relevante destacar as vantagens da posição do presidente no campo político: a caneta, que traz consigo a força de nomeações e destinações orçamentárias, e a conquista recente do comando das casas legislativas (Câmara e Senado) por aliados.

Ultimamente, vem se anunciando na opinião pública um forte sentimento de rejeição ao presidente, algo que os movimentos de rua ocorridos no dia 29 de maio buscaram dar corpo, voz e volume. Entre analistas da política, a perspectiva é que num cenário polarizado, como o que vivemos, possa ocorrer uma convergência do eleitorado no sentido antibolsonarista para 2022.

Esses fatos, no entanto, não devem concorrer para uma interpretação simplória de que o atual presidente estaria fragilizado, com poucas chances para a disputa. Como apontamos acima, além de uma base social fidelizada, os recursos políticos advindos de sua posição lhe garantem muitas oportunidades na disputa.

Por esse motivo, saliento o papel da oposição, especialmente, a partidária e institucional, seja ela de esquerda, direita ou de centro.  É em torno dela e de seu papel no jogo político que podemos traçar o segundo caminho de reflexão ao observar como esses atores dificultam e/ou facilitam as saídas recorrentes que Bolsonaro tem acessado nos labirintos políticos em que se vê implicado.

A mim, particularmente, chama atenção a dificuldade que as lideranças de oposição têm de estabelecer como prioridade política a agenda antibolsonarista. Os acenos mútuos e as tréguas emergem em contextos críticos, nos quais o presidente toma decisões e/ou faz declarações que notoriamente agridem o ambiente e as regras democráticas. Em várias oportunidades, podemos perceber as lideranças oposicionistas se relacionarem entre si, tendo como mote o “eu sei o que vocês fizeram no verão passado”. Essa sociabilidade política entre as oposições é marcada pela desconfiança mútua e, na militância das redes, assume fortes tons de hostilidade.

Entre as acusações que marcam a relação de desconfiança e o rancor intraoposição, estão: a viagem para Paris; o voto nulo; a defesa da Venezuela; o registro do “candidato-condenado” de 2018; as maiores chances de ganhar no segundo turno, etc. Não é minha intenção, obviamente, reduzir a significância da discussão destes temas para os atores políticos e as suas bases.

Entretanto, me custa entender como, diante um cenário tão calamitoso, tal contenda possa contribuir no enfrentamento a um presidente cuja força política mostra tal resiliência, a despeito de tanta tragédia. Enquanto as oposições acusam-se mutuamente, Bolsonaro segue fazendo o melhor que pode no caminho para 2022.

Concordo com o filósofo Marcos Nobre, em sua análise sobre a relevância de uma frente ampla para enfrentar Bolsonaro em 2022. O presidente e seu grupo político têm evidenciado significativa capacidade de reação, mesmo quando colocados em situações dilemáticas. A CPI da Covid é um exemplo: se nas duas primeiras semanas o desgaste foi bastante óbvio para o governo, nas semanas posteriores a disputa de versões ficou mais acirrada. Tanto os senadores governistas quanto depoentes aliados do presidente conseguiram emplacar argumentos que convergem para o discurso presidencial sobre a gestão da pandemia.

A resiliência de Bolsonaro e as vantagens decorrentes de sua posição no campo político apontam a relevância de uma convergência em uníssono das oposições na direção do antibolsonarismo. A definição de candidaturas e alianças visando 2022 é claramente um dos maiores impeditivos para essa convergência. As lideranças políticas precisam reconhecer que, independentemente de como chegarem à disputa do ano que vem, qualquer candidatura que vier a enfrentar competitivamente Bolsonaro necessitará do apoio e dos votos das demais forças de oposição.

Para que isso se torne possível e crível, acordos mínimos, tréguas e esforços comuns no enfrentamento ao governo Bolsonaro devem ser sedimentados no caminho que leva a 2022. Afinal, eleições também se tratam de convencer o eleitorado, o que não se faz com apoio protocolar de véspera.

Monalisa Soares é professora da UFC e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM) com ênfase em campanhas eleitorais, gênero e análise de conjuntura. Está no Instagram.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.