Bemdito

Conservadorismo moral e apoio a Bolsonaro em meio à pandemia

Evangélicos são os que mais apoiam o presidente, mais avaliam que ele tem capacidade de liderar o Brasil e mais rejeitam o impeachment
POR Monalisa Soares
Foto: Isac Nobrega / PR

Evangélicos são os que mais apoiam o presidente, mais avaliam que ele tem capacidade de liderar o Brasil e mais rejeitam o impeachment

Monalisa Soares
monalisaslopes@gmail.com

Refletiremos aqui a respeito dos recentes desdobramentos em torno do apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido), sob a perspectiva das bases sociais da nova direita. Especificamente, abordaremos o campo do conservadorismo moral que permanece bastante alinhado ao presidente.

Desde 2015, com as mobilizações dentro e fora das redes pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), temos testemunhado discussões em torno da emergência na cena política brasileira da nova direita. A vitória de Jair Bolsonaro para a Presidência da República e a onda de conquistas que se desdobrou na Câmara dos/as Deputados/as, no Senado Federal e nas Assembleias Legislativas, além de governo estaduais, selaram a chegada de um grupo representante desse movimento à política institucional.

Como essa nova direita se organizou nesses últimos cinco anos, em que medida se diferenciaria da direita tradicional e que elementos do jogo político contribuíram para seu adensamento são questões que mobilizam as reflexões de diversos atores sociais. Além destas, alguns/mas pesquisadores/as buscam analisar quais elementos proferidos nos discursos políticos desses grupos conquista adesão de parte significativa do eleitorado. Nesse sentido, o trabalho da socióloga Debora Massenberg identificou temas centrais que se notabilizam no discurso dos atores deste segmento: antipetismo, conservadorismo moral e princípios neoliberais.

Os primeiros dois anos de gestão do presidente foram analisados sob a ótica da campanha permanente e a necessidade de manter essa base que lhe garantiu a vitória eleitoral. Havia, portanto, a necessidade de manter a performance, contemplando os três pilares (antipetismo, conservadorismo moral, neoliberalismo). A estratégia seria manter o patamar mínimo de adesão, para a disputa da reeleição, ou seja, a fidelização de um terço do eleitorado. Ao longo desses dois anos, Bolsonaro viu ocorrerem rachaduras entre os adesistas de primeira hora, especialmente antipetistas e liberais. No último ano, com a pandemia e o desgaste que ela vem proporcionando, o apoio a Bolsonaro foi oscilando na população em geral.

A última pesquisa Datafolha, realizada nos dias 15 e 16 de março, evidencia o cenário, a angústia e a preocupação de amplas parcelas da população no contexto da pandemia, não só o medo das consequências do adoecimento, mas também as consequências financeiras e profissionais. Em meio a uma segunda onda mais letal, com um país situado na contramão do restante do mundo, o percentual da população que reprova a gestão do presidente disparou, saindo de 32% para 40%. Os segmentos que aprovavam-na ou viam-na como regular caíram. É relevante destacar, que, apesar de tudo, a atual (40%) ainda não é a pior avaliação do governo, que ocorreu em junho do ano passado quando atingiu (44%).

Na contramão dos que reprovam, chama atenção os 31% que aprovam o presidente. Entre estes, há um grupo que é bastante suscetível ao discurso de conservadorismo moral propagado pela nova direita: o dos evangélicos. O Datafolha mostra que neste segmento encontramos indivíduos entre os que mais apoiam o presidente (37%), que mais rejeitam o impeachment (59%), e que mais avaliam que o presidente tem capacidade de liderar o Brasil (52%).

Numa análise sobre a eleição de 2018, o cientista político Jairo Nicolau afirma que o conservadorismo de Bolsonaro constitui uma “inflexão na carreira”, pois antes disso sua atuação era pautada pela defesa de demandas da corporação de militares. Mais precisamente, foi no mandato conquistado no pleito de 2010, quando passou a defender temas relativos à defesa da moral, dos costumes e da família, que emergiram as relações com a bancada religiosa. Nicolau nos explica ainda que, nas eleições de 2018, o voto evangélico foi majoritário em Bolsonaro, um fator decisivo para sua vitória.

O apoio de lideranças de diversas denominações religiosas é algo que acompanha o presidente desde a eleição. Nas últimas semanas, em meio às decisões do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre os processos contra Lula, que lhe restituiu a elegibilidade, e as pesquisas com aumento de reprovação do presidente, chamou atenção uma articulação do pastor Silas Malafaia. Primeiro, a produção de um vídeo em que critica a decisão do ministro do STF e afirma que “Lula está ferrado com os evangélicos!”. Segundo, uma reunião em que Malafaia, liderando pastores de outras denominações, iria discutir com o presidente a abertura de templos, em virtude dos decretos municipais com medidas restritivas. Além dessa discussão, o encontro ensejaria um momento de “reza pelo Brasil”, assim como de um “apoio espiritual” a Bolsonaro em face da “turbulência que passa o país”.

A ação dos líderes evangélicos, por um lado, passa uma mensagem explícita: o presidente segue sendo o representante genuíno dos valores conservadores no cenário político. E, por outro, evidencia, com seus discursos, uma dissociação em relação à maioria da população (54%), que, ao rejeitar o trabalho do presidente no combate à pandemia – segundo a pesquisa Datafolha – parece compreendê-lo como parte da equação que produz a turbulência nacional.

Monalisa Soares é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM) com ênfase em campanhas eleitorais, gênero e análise de conjuntura. Está no Instagram.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.