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Federações Partidárias e sobrevida dos partidos políticos: transição para fusão?

Uma análise sobre as Federações Partidárias a partir de sua história e das mudanças que podem gerar no cenário político
POR Paula Vieira
A senadora Simone Tebet (MDB), que já se manifestou a favor das Federações (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O prazo para definir as regras eleitorais de 2022 se encerra no dia 2 de outubro de 2021. Com esse prazo, algumas medidas do novo Código Eleitoral estão em intenso período de discussão, com maior ênfase desde agosto deste ano. Dentre elas está a proposta de “Federação Partidária”. 

A Federação Partidária não é uma proposta recente. Vamos, então, numa breve retrospectiva para compreender os elementos que a justificam e para conhecer o debate em torno dessa proposta.

Desde que se discute reforma política no Brasil, uma das principais pautas sempre foi a redução do número de partidos políticos. Por que essa redução aparece como necessária? A ideia é que, com menor número de partidos, o eleitor consiga identificar nas legendas um projeto político de governo, ou seja, consiga compreender as propostas para economia, educação, saúde e política públicas.

Até 2017, as coligações eram utilizadas para maximizar as chances de eleição para o legislativo. Nelas, dois ou mais partidos se uniam nas eleições com o objetivo de unir os recursos de tempo de TV, financiamentos e capital político. Quando eleitos, viabiliza-se possível distribuição de cargos governamentais para consolidar o acordo. Entretanto, a ação no legislativo não significava que os mandatos sejam exercidos em aliança. 

As coligações foram, ao longo dos anos 2000 até 2017, debatidas como prejudiciais ao sistema eleitoral, pois não ficava claro ao eleitor quem seria eleito. Além disso, a distribuição de recursos para muitos partidos tornava-se um custo alto para a competição eleitoral. Por isso, juntamente com o fim das coligações, a cláusula de desempenho também era defendida. 

A cláusula de desempenho é um percentual mínimo que o partido precisa atingir em uma eleição para ter acesso a recursos do fundo eleitoral, acesso à propaganda gratuita e outros pontos de exercício de mandato. Com a PEC de 2017 definindo o fim das coligações e a cláusula de desempenho, foi estabelecido um percentual progressivo de 1,5% em 2018, 2% em 2022, 2,5% em 2026 e 3% em 2026.

Uma alternativa às coligações
As Federações Partidárias surgem como proposta alternativa às coligações para viabilizar que pequenas legendas possam, em alguma medida, sobreviver à cláusula de desempenho. Nas Federações, dois ou mais partidos podem se unir para disputar as eleições. Diferente das coligações, que se desfazem após o pleito, as Federações se mantêm unidas por todo o mandato, ou seja, pelo mínimo de quatro anos. 

Nesse sentido, pelo tempo em que os partidos precisam agir conjuntamente, entende-se que aqueles que optarem por esse formato tenham alguma identidade programática, ou seja, afinidade de ideias para propor políticas do mandato. 

A expectativa dos agentes políticos favoráveis às Federações é que elas sejam uma experiência que venha a fundir legendas com identidades próximas. Manifestam-se a favor, por exemplo, a senadora Simone Tebet (MDB) e o senador Marcelo Castro (MDB). 

Desse modo, a Federação é caracterizada como sobrevida aos pequenos partidos. Interessante pensar na palavra “sobrevida”. Uma palavra que remete à tentativa de sobrevivência. Significa, portanto, um modo para que as legendas atingidas pela cláusula de desempenho encontrem uma maneira de continuar na competição eleitoral. 

As consequências
Para compreender o cenário de possíveis consequências, tomamos como referência as eleições municipais de 2020, pois são nessas eleições que os partidos conhecem suas bases locais e têm um parâmetro de como será a disputa nacional. Assim, em 2020, 15 foram os partidos que não atingiram 2% de votos totais (parâmetro da cláusula de desempenho para 2022). Dentre eles, PCdoB, Rede, PV, PSOL, Pros, PTC e Novo. 

Jairo Nicolau, cientista político de referência para estudos sobre os sistemas eleitorais e partidários, considera que a Federação fere o princípio de igualdade de competição eleitoral. Isso porque os partidos em Federação mantêm a possibilidade de eleger um deputado com menos votos do que outros que não estão em aliança.

Ainda para Nicolau, se a ideia dos agentes políticos favoráveis é uma “sobrevida” que incentivará a fusão entre partidos próximos, não haveria motivo para que isso ocorresse sem necessidade de uma aliança em Federação. A motivação se restringe à solução eleitoral, e não à clareza de representação política. 

Em contraponto a Nicolau, fala-se sobre a sobrevivência de legendas históricas, como o PCdoB. No caso, a preocupação é que exista no Brasil partidos de referência para o eleitor, pois, desse modo, este terá mais clareza sobre o projeto político de sua escolha. 

Reconheço a importância de legendas históricas. Porém, a política é feita de dinâmicas que reconfiguram os programas partidários para adequação de projetos. Se há mudanças, estas devem ser feitas de modo a não prejudicar o entendimento dos eleitores sobre os representantes de projetos com os quais eles tenham afinidade. Nesse sentido, por hora, as Federações me parecem um mecanismo de transição no que diz respeito à representação política.

Paula Vieira

Doutora em Sociologia e professora da Unichristus. Integrante do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM). Pesquisa sobre instituições políticas brasileiras com ênfase na dinâmica do Legislativo.