Bemdito

Qual o papel dos partidos na representação política das mulheres?

Os impactos do projeto de reforma eleitoral que tramita na Câmara Federal
POR Monalisa Soares
Foto: Edilson Rodrigues (Agência Senado)

Estimado(a) leitor(a), hoje recebo em nosso espaço a pesquisadora Paula Vieira. Em texto que assinamos juntas, discutimos o projeto de reforma eleitoral que tramita na Câmara Federal e as reflexões que suscita acerca do papel dos partidos para a superação da sub-representação política das mulheres no Brasil. 

A ideia de reforma política é pautada na perspectiva de uma modificação que tem como característica um ajuste ou arranjo. Não há transformação estrutural, e o ajuste é formulado por dentro da própria instituição a ser modificada, através das regras existentes, sendo estas os objetos de mudança. Assim, os “arranjos” são conduzidos de acordo com a preferência do resultado.

Há, portanto, uma dificuldade tácita em relação às propostas de alterações do sistema político, já que estas são elaboradas por atores políticos eleitos pelas regras existentes e que já sabem como maximizar seus ganhos políticos através delas. Quando refletimos sobre a participação de mulheres, devemos, então, considerar a seguinte questão: quem são os agentes interessados (ou não) na reserva de vagas no Legislativo? 

A discussão sobre participação política das mulheres deve considerar, principalmente, a igualdade política e as condições para a competição eleitoral.

Em 2009 – em correspondência com estes eixos -, 12 anos após aprovação da primeira legislação e longos anos de baixos índices de representação de mulheres nos espaços institucionais, a minirreforma eleitoral estabeleceu a obrigatoriedade do preenchimento das cotas de gênero (Lei Nº 12.034, de 29/9/2009). Em 2014, o texto foi alterado para definir punição para o partido que não seguisse a determinação. 

As alterações sucessivas na legislação sugerem, portanto, pressões permanentes das mulheres na tentativa de garantir a efetivação da legislação e de tensionar a criação de condições de competitividade para suas candidaturas.

Como pudemos observar, os partidos políticos são agentes-chave nesse processo, em virtude do seu poder de agenciamento, recrutamento e construção de candidaturas. Some-se ainda a notória capacidade dos partidos de alocação de recursos estratégicos (financeiros, tempo de TV, entre outros) no contexto das disputas eleitorais. 

Pesquisas no âmbito da Ciência Política, no entanto, evidenciam que os partidos políticos são instituições generificadas – o que significa dizer que atuam de modo a reproduzir uma lógica de hierarquização e desigualdade com base em gênero no interior das organizações partidárias. As dinâmicas intrapartidárias revelam, portanto, maiores desafios para que as mulheres sejam nomeadas e obtenham acesso aos recursos necessários para concorrer competitivamente a uma eleição.

A tendência tem sido que os partidos busquem favorecer um modelo de “candidato ideal”, o qual possui capital e conhecimento político que renderão votos no mercado eleitoral – de preferência, que esse candidato já possua mandato e vasta rede de apoio. Majoritariamente, esse modelo corresponde a perfis de homens.

Como afirma a cientista política Teresa Sacchet, em sua dinâmica interna, as instituições partidárias tendem a valorizar e fomentar “estilos e habilidades” que usualmente não caracterizam a atuação das mulheres.

Barreiras financeiras

Considerando a relação entre atuação partidária e sub-representação política das mulheres, podemos refletir também sobre como os obstáculos financeiros constituem fatores relevantes que dificultam o êxito das mulheres nas disputas eleitorais. Afinal, os recursos financeiros não podem, de modo algum, ser desconsiderados entre as chances de elegibilidade de candidatos(as).  

Sob esse prisma, a decisão do TSE, de 2018, que determinou a obrigatoriedade da aplicação de 30% de recursos do fundo eleitoral nas candidaturas de mulheres assume uma relevância ímpar.

Ao considerar os dados de representação de mulheres nas eleições de 2018 e 2020, podemos conjecturar sobre o papel estratégico que o financiamento desempenha no processo de superação do déficit de representação, no caso brasileiro. No entanto, precisamos avançar ainda mais para compensar os tímidos passos dados ao longo dos anos de execução da Lei de Cotas.

Em 2018, as mulheres eleitas atingiram o percentual de 15% para a Câmara Federal, patamar histórico significativo. Diante do avanço, retomou-se a discussão sobre a reserva de cadeiras no Legislativo para mulheres, a qual foi incorporada à proposta de minirreforma eleitoral que está sendo discutida na Câmara Federal.

Embora a ideia nos pareça interessante, é necessário pensar que a arena parlamentar é um espaço de jogo político de disputa de interesses e que, ao abrir uma discussão sobre alterações das regras, as consequências podem se distanciar dos objetivos iniciais. Vejamos.

A reserva das cadeiras

A proposta dos movimentos feministas defende que o percentual de reserva de cadeiras seja o mesmo das candidaturas (30%), no entanto, há forte resistência no parlamento. A relatoria do projeto propôs 15%, percentual que também encontra resistência. Apesar de esse percentual já ter sido alcançado em alguns parlamentos, o argumento da relatoria é de que garantiria a presença de mulheres em todos os Legislativos do País, fomentando assim a participação. 

Nos somamos às/aos outras(os) pesquisadoras(es) do tema para destacar que, da forma que está sendo discutida a proposta, em vez de representar avanço, pode significar retrocesso. Levantamos algumas questões para pensarmos: Como será o recrutamento e a promoção de candidaturas nos partidos para preenchimento dos 15% das cadeiras do Legislativo? Como ficam as regras de financiamento?

Tais questões impactam diretamente as condições de competitividade das mulheres nos contextos eleitorais. Sem clareza de como ocorrerá a implementação dessa regra, o mínimo de 15% de cadeiras pode se tornar o teto da representação de mulheres no Brasil. Algo que, de algum modo, tem ocorrido com a cota de candidaturas em que muitos partidos não superam o patamar mínimo de 30% de mulheres candidatas, recorrendo alguns, inclusive, a candidaturas fictícias.

É importante, portanto, apreciar outras formas de efetivar a participação das mulheres. Aqui voltamos aos partidos políticos. Quanto maior o número de candidatas com melhores condições de concorrência, maiores as chances de mulheres eleitas.

Entretanto, não se produzem “candidatas ideais” num passe de mágica. Ainda que muitas mulheres tragam capital social ao adentrarem nos partidos políticos, o exercício de liderança e o capital político acumulado na experiência de cargos de direção da estrutura partidária contribuem expressivamente para a trajetória política das mulheres. Impactando não somente os percursos individuais, mas também coletivos das filiadas dentro da sigla.

Sendo os partidos instituições-chave para viabilizar candidaturas, faz-se necessário discutir também mudanças internas a estas organizações, a fim de que possam promover a competitividade das mulheres nas disputas eleitorais, efetivando assim seus direitos políticos.

***

Paula Vieira
paulavieiracs@gmail.com

Paula Vieira é Doutora em Sociologia e professora da Unichristus. Integrante do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM). Pesquisa sobre instituições políticas brasileiras com ênfase na dinâmica do Legislativo.

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.