Bemdito

Feliz dia das muitas mulheres

Existem outras mulheres a serem lembradas, e elas são incríveis
POR Simone Mayara
Detalhe do retrato póstumo de Maria Quitéria de Jesus (Domenico Failutti, c. 1920)

Existem outras mulheres a serem lembradas, e elas são incríveis

Simone Mayara
simonempf@gmail.com

Todos os anos frases clichê são repetidas para celebrar o 8 de março, dia em que o mundo, pelo menos o ocidental, para e lembra das muitas mulheres que colaboraram em diversas áreas para o desenvolvimento e crescimento da nossa sociedade. Já há algum tempo insistem que as flores ficaram démodées e agora queremos mesmo respeito. Pois bem, estou no time que exige respeito todos os dias e quer as rosas também por serem sinal claro de carinho e afeto. Rosas, respeito e tratamento isonômico, de preferência todos os dias pra vida ficar mais colorida. Mas voltemos ao oito de março.

Outro hábito comum nessa data é relembrar essas grandes mulheres que se destacaram publicamente e alguns nomes têm lugar cativo, Beauvoir, Maya Angelou, Marielle… Mas hoje queria falar de outras mulheres, muitas outras de quem sinto falta nessas comemorações. A principal razão para a falta barulhenta que fazem me parece ser sua postura mais austera, o discurso distanciado do que se queria ouvir ou até mesmo declarações claras contrárias ao movimento feminista. Sobre esse último motivo, especificamente, pretendo aprofundar em algum momento, merece coluna toda sua.

Pois bem, no grupo que sente falta dessas outras mulheres que merecem todas as nossas rosas e garantiram muito bem o respeito, não só para si, mas para todas as mulheres, resolvi dedicar a coluna de hoje a três dessas: Margareth Thatcher, para os íntimos Maggie, Condoleezza Rice e Maria Quitéria. A ordem em que as apresento não segue cronologia de nascimento ou de realizações, mas acho que tendi à ordem em que foram entrando em minha vida ou da importância que têm apresentado na minha rotina. Sim, essas outras mulheres estão em minha rotina para além de março.

Em 2001, Condoleezza Rice assumiu o cargo de Conselheira de Segurança Nacional dos Estados Unidos no governo Bush, foi a 66a pessoa a ocupar o cargo, segunda mulher e primeira negra a fazê-lo. Já havia sido da equipe do Bush pai como Diretora de assuntos Soviéticos e da Europa Oriental. O currículo de Condi, como pedem que a chamem os amigos, é extenso e demonstra uma disciplina e qualidade raras de se ver. Não à toa recebeu o apelido de “princesa guerreira” por sua atuação pós 11 de setembro. Atualmente é diretora de um instituto respeitadíssimo em uma das melhores universidades do mundo, Stanford e tantas outras coisas mais que ganham cor se pensarmos que ela nasceu no Alabama segregado. Do bebedor de água, à piscina e ao acento no ônibus, seus lugares eram decididos por sua cor de pele. Saiu de um contexto de hard core segregationism a uma das posições mais poderosas do mundo.

A influência política veio do pai, que se filiou ao partido Republicano pois os Democratas “Jim Crow” não aceitaram um negro em seu partido. Em entrevistas ela fala de como se vê um pacote, ser mulher, negra, onde nasceu e viveu são parte de si. Fala do grupo de pessoas na região na qual vivia, um grupo que se organizou pra preparar as crianças para serem excelentes. Condi se opõe a políticas raciais revanchistas e aceita suas circunstâncias usando-as para elevar-se. Condi deveria ser mais lembrada nesse dia.

Thatcher é mais famosa que Condi. A primeira ministra inglesa gerou ódio e amor, tudo menos passar sem ser vista. A filha de comerciantes que ganhou bolsa de estudos em Oxford e foi chefe do partido Conservador inglês, os tories, era comparada a Churchill e recebeu a típica honraria da política inglesa que é ter o seu período de governo – 1979 a 1990 – nomeado como uma era só sua. No dia de sua morte, sindicatos comemoraram. A Dama de Ferro os combateu nos anos 1980 pois via nas sindicalizações atitudes que sequestravam certas pautas e pediam benefícios que acabavam por ser maléficos quando se pensava além de seus grupos. Incisiva, direta e extremamente feminina ao se portar e vestir, há registros de ter dispensado boa parte da equipe da residência oficial pois fazia questão de passar as roupas do marido e fazer para ele o jantar. Enquanto decidia questões profundas para a economia e geopolítica do mundo, Thatcher fazia o jantar. Foi massacrada pelo movimento feminista da época por declarar-se contrária a suas falas e métodos e dizer que, entre outras coisas, era mulher. Em coluna de jornal, um desses movimentos disse que não merecia respeito pois “não era uma irmã”. Não era. Mas era uma grande mulher.

A última de quem quero falar, pois vejo ser pouco lembrada nesse dia, mas que me inspira em todos, é Maria Quitéria. Baiana. Maria Quitéria de Jesus era filha de um fazendeiro português e muito cedo precisou assumir as obrigações da casa pois ficou órfã de mãe. O que a fez entrar para os anais da história brasileira foi sua participação nas lutas pela independência. Eu sei, costumamos ouvir que nossa independência foi “limpa”, mas em algumas partes do país havia contingentes de tropas e civis que continuavam fiéis às ordens de Lisboa. Era preciso, portanto, vencê-los para evitar a divisão do Brasil e consolidar a independência. Vários brasileiros e até portugueses deram o sangue por isso. Quitéria vestiu-se de soldado, alistou-se no batalhão de “Voluntários do Príncipe Dom Pedro” e participou das lutas ao lado dos patriotas. Foi condecorada com a Ordem Imperial do Cruzeiro.

A melhor parte é que fez isso fugida. Ao saber do que acontecia, o pai foi até lá buscá-la. Sabendo de tudo, seu comandante se negou a puni-la e também a dispensá-la, pois o então Soldado Medeiros era excelente profissional e indispensável ao trabalho que faziam. A partir daí permitiram que usasse o uniforme com uma espécie de saia por cima, imagem que acabou sendo a mais conhecida, inspirando outras moças da região a participar das batalhas também. Seja na fronte como Quitéria, seja nas atividades de suporte.

Se posso em algo contribuir para que essas mulheres sejam lembradas, o farei. Aqui com palavras, na vida com ações. Trouxe seus nomes porque no dia das mulheres deveríamos falar mais dessas outras mulheres que têm discurso diferente, mas são tão dignas. Como Condi disse em entrevista, ela é um pacote. Somos um pacote, somos nós e nossas circunstâncias – como disse escritor de que gosto muito, homem. Talvez haja mais caminhos de tratar disso e sermos valorizadas que os que nos acostumamos a ouvir. Mulheres que não se coletivizaram, mas acreditaram no trabalho individual e fraternidade voluntária para crescer e deixar crescer. Por isso, neste dia que me cabe por costume social, sugiro que em mais dias ouçamos e falemos dessas outras mulheres.

Simone Mayara é Analista Política no Instituto Livre Mercado. Pode ser encontrada no Instagram.

Simone Mayara

Analista política, é especialista em Direito Internacional e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política. Atualmente é sócia na consultoria de diplomacia corporativa Think Brasil.