Bemdito

Chique é ter saúde mental

A ansiedade cada vez mais entra na nossa casa e o poder nos quer tristes
POR Mariana Marques
A decadent girl (Ramon Casas Maior)

Que atire a primeira pedra quem nunca atrasou ou desmarcou um compromisso por se achar incapaz de lidar com ele. A paralisia por antecedência tem, no fundo, um nome: ansiedade, esse bicho-de-sete-cabeças que, cada vez mais, entra na nossa casa, entra na nossa vida.

Nunca fomos tão doentes, segundo meu instituto de pesquisa. As conversas com amigos parecem um campeonato de tragédia, e o que antes era falta de etiqueta (não era de bom tom reclamar de volta pra alguém que estava precisando desabafar) virou necessidade.

– Amiga, tô em tempo de endoidar.

– E eu, que já endoidei?

Assim encerramos as conversas, ficando pouco a pouco acostumados a passar um trator por cima do problema a fim de continuar vivendo.

Fico pensando se esses (nós, doentes) não são um produto do novo normal – e se, de repente, em vez de adicionado de sais, o garrafão de 20 litros d’água virá adicionado com ansiolítico. Se depois das docerias funcionais ou low carb virá a moda das docerias plus psicotrópicos. Um bombom de Apraz, brigadeiro de Rivotril, praliné de Zolpidem. E por aí vai.

Não acredito numa saúde pública que não priorize a saúde mental, que não fortaleça seus Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) cada vez mais, a fim de fazer com que sobrevivamos. É por ela que deve ser guiada a nossa luta.

Estamos, por motivos que são também, ou principalmente, políticos, adoecendo. Cada dia é um novo soldado que tomba. Com a quantidade de novos rituais e novos problemas a que fomos expostos, não tem Código Internacional da Doença (CID) que dê conta, não tem fármaco que resolva, não tem tratamento que faça milagre. Nem se mandarem fazer uma dupla sertaneja de Pinel e Lacan, Freud e Nise, Joel e Fabiana Vasconcelos. Desconfio que o buraco seja mais embaixo.

Estar sob constante ameaça de uma economia que não anda, um país sem crédito, a proteção social em declínio, um governante completamente despreparado, uma pandemia fora de controle é o que me preocupa. Nada que algum de nós possa fazer, se não formos juntos. Mas o quê? Me pergunto todo dia.

Enquanto isso, seguimos trôpegos, descrentes, apáticos. “O poder nos quer tristes”, lembro-me da frase tão recorrente de Roseno (o deputado), quando começou essa tomada de poder pelo lado infeliz da força.

Impressão de que conseguiram hoje. E precisamos urgentemente descobrir como não conseguirão amanhã. E se chique é ter saúde mental, o Brasil nunca foi tão cafona.