Bemdito

Extra! Não existe racismo na Inglaterra!

Relatório do governo britânico sobre racismo estrutural, conduzido por pessoas que não acreditam no racismo estrutural, não encontra evidências de racismo estrutural
POR Cintia Bailey
Foto: Mark de Jong

Relatório do governo britânico sobre racismo estrutural, conduzido por pessoas que não acreditam no racismo estrutural, não encontra evidências de racismo estrutural

Cintia Bailey
cintia.bailey@outlook.com

Talvez a pergunta que mais me fazem, desde que me mudei para a Inglaterra, é se alguma vez sofri racismo aqui. Não tenho certeza se é a resposta que a maioria das pessoas espera, mas sempre digo que nunca ouvi ou senti nada negativo nesse sentido, em 13 anos morando aqui. Na verdade, a única coisa pejorativa que ouvi sobre a minha pessoa aqui veio de uma brasileira falando para alguns dos meus amigos Ingleses que eu vim de uma parte ruim do país – Nordeste – quando ela vinha do Sul, “a melhor parte”.

Londres é uma cidade tão multicultural que, andando por aí, você vê todas as cores e escuta todos os idiomas. Quando cheguei aqui, meu primeiro trabalho foi em uma agência de mídia com pessoas de todo o mundo e fiquei lá oito anos. Achava, cada vez mais, que a Inglaterra era um exemplo de diversidade para o resto do mundo.

No entanto, com o tempo, aconteceram algumas coisas que me fizeram pensar que estava sendo um pouco ingênua e me senti um pouco boba finalmente vendo algumas verdades duras sobre a Inglaterra. A decisão em 2016 de votar para deixar a União Europeia foi recebida com surpresa porque, por mais que de vez em quando se ouvia falar de pessoas bem negativas em relação à imigração, achava que isso vinha de meia dúzia de gatos-pingados. Claramente, o preconceito desempenhou um papel enorme no resultado do referendo. Logo após a votação do Brexit, muitas histórias racistas apareceram na mídia; pessoas sendo instruídas a voltar para os seus países de origem e outras sendo solicitadas a falar Inglês ao conversar com amigos em sua própria língua na rua.

A gente escuta essas coisas e começa a amofinar, né? Parecia que o Brexit abria a porta para o preconceito de muita gente sair, sem vergonha alguma.

Nesta semana, saiu um relatório do governo britânico chamado Comissão sobre Raça e Disparidades Étnicas, encomendado após os protestos do movimento Black Lives Matter, para avaliar o racismo aqui. O tal documento está recebendo críticas duras, sendo considerado profundamente cínico e uma negação da escala da desigualdade racial daqui.

No relatório, o Reino Unido “não” tem um sistema fraudado contra as minorias étnicas. No entanto, os negros na Inglaterra e no País de Gales têm nove vezes mais chance de serem parados e revistados pela polícia do que os brancos e as mães negras têm quatro vezes mais chance de morrer no parto do que as brancas. O relatório termina dizendo que o “sucesso” na remoção da disparidade daqui “deve ser considerado um modelo para outros países de maioria branca”. No dia seguinte à sua publicação, até o Conselheiro para Sociedade Civil e Comunidades do governo renunciou.

E aí vou para o trabalho e ouço uma colega branca de meia-idade dizer que está farta de nos pedirem – corretamente – para usarmos, em nossas campanhas de comunicação, imagens que retratem a real diversidade da organização, em vez de imagens apenas de funcionários brancos. E escuto outra falar; “Que saco essa onda de diversidade. Terei que pedir desculpas por ser branca e heterossexual agora?”.

E, assim como amofinada, também me sinto desapontada por ter acreditado na farsa por tanto tempo.

Cintia Bailey é jornalista e podcaster. Está no Instagram.

Cintia Bailey

Jornalista e podcaster, trabalha com comunicação no Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra e é criadora e host do podcast Chá com Rapadura.