Bemdito

A solidão das mães

Como superar o discurso do cansaço?
POR Paula Brandão
August Heyn

“A solidão é fera, solidão devora
É amiga das horas, prima-irmã do tempo
E faz nossos relógios caminharem lentos
Causando descompasso no meu coração.”
Alceu Valença

Dizem que Sylvia Plath deixou preparada a comida dos filhos antes de se matar. A morte parece encerrar, de uma vez por todas, o último ato de desespero na monotonia de uma mulher solitária casada. Dia desses ouvi uma fofoca sobre uma mulher que deixara o marido riquíssimo para assumir o namoro com o motorista. Narrativa que já escutamos desde que o mundo é mundo. Mas eu só conseguia pensar em como ela devia estar profundamente sozinha, quando o seu motorista passou a ser uma opção de companhia. Teria sido quando foi deixar seu filho na escola para que ela tivesse um pouco mais de tempo, ou quando foi buscar no balé sua menina, para que ela pudesse desabafar com sua amiga?

Ouvia, de certa feita, uma mulher que morava no bairro Vicente Pinzon, numa roda de conversa cujo objetivo era dialogar sobre os filhos, contudo ela só falava do marido. Dizia que ele só queria saber de trabalhar, e que não tinha mais hora para chegar ou saía de casa antes do sol nascer. Essa situação a deixava muito ansiosa, porque passava o dia sozinha e sem ter com quem conversar. Quando ele chegava em casa, ela corria para o banheiro e fingia que estava ao celular conversando com alguém para que ele ficasse curioso e tivesse algum interesse no que acontecia com ela.

Certas pessoas acreditam que alguns sentimentos são “nobres” e que só alguns têm tempo de sentir. Uma mulher que passa o dia trabalhando, seja sentada na mesa de escritório, ou aquela que trabalha na limpeza dele, inevitavelmente, param em algum momento em busca de alguém para dividir o seu dia-a-dia, narrar seus problemas, dúvidas e alegrias. 

As americanas descritas por Betty Friedan, em a Mística Feminina, nos anos 1950, sofriam de uma doença sem nome para a psiquiatria da época. Filhas de mães feministas que lutaram para que elas fossem livres, frequentassem as Universidades e se emancipassem, elas resolveram cuidar de seus filhos, comprar eletrodomésticos modernos para enfeitar suas cozinhas e cuidar da casa. A autora denunciava como sofriam de um vazio essas mulheres que passaram a servir à família como motoristas, professoras, religiosas, cuidadoras, ganhavam dinheiro dos maridos e podiam ter tudo o que o dinheiro pudesse comprar. Mas já estavam bem crescidinhas para entender que nem tudo o vil metal compra. As mulheres diziam:

“Eu acordo às seis. Visto meu filho e dou café da manhã. Depois disso lavo a louça, dou banho e alimento o bebê. Depois preparo o almoço e, enquanto as crianças tiram uma soneca, eu costuro, remendo ou passo roupa e faço tudo o que não consegui fazer antes do meio-dia. Depois faço o jantar e meu marido assiste à tv enquanto eu lavo louça. Depois que coloco as crianças para dormir, arrumo o cabelo e vou dormir.”

“Sinto sensação de cansaço. Fico tão brava que me assusto. Tenho vontade de chorar sem motivo.”

Essa última frase foi dita na década de 1950, mas hoje, se você fizer um levantamento nas páginas feministas e engajadas, as mulheres estão repetindo a mesma frase: “Estou bem, mas me sinto cansada.” Sei que muitas das queixas não foram e não serão tão cedo superadas, numa sociedade patriarcal que se alicerça mediante o comportamento desigual entre os gêneros. Mas penso que, ao contrário das mulheres de outrora, podemos ser mais incisivas no que queremos! 

A palavra “cansada”, não é potência, não promove movimento dessa estrutura! Se estamos assim, ficamos num lugar de desânimo permanente que me deixa exausta só em ler tais motes! As mulheres estão nessa situação porque estão terrivelmente sozinhas nas suas casas, com atribuições que ainda não são compartilhadas e divididas de modo igualitário entre seus companheiros. Precisam dizer basta e propor uma solução para que saiam desse limbo histórico. Vejo uma solidão imensa delas, com suas dores de cabeça intermináveis, tentando encontrar saídas para as questões da escola da filha, escondendo questões dos adolescentes para os pais e tentando dar conta de tudo.

Uma delas dia desses disse: “o pai não pode saber porque a filha não foi para escola. Inventei que ela estava se sentindo mal. Mas ela está sem vontade de ir por questões que têm ocorrido lá.” Bom, amanhã é o dia das mães, e lá estarão as redes sociais cheias de fotos, corações e flores dos filhos e desses maridos que as deixam sozinhas mesmo em suas presenças físicas. Abra o jogo! Coloque de lado o traje da mulher maravilha, e diga o que precisa para superar o discurso (legítimo) do cansaço!

Paula Brandão

Doutora em Sociologia pela UFC, e professora do curso de Serviço Social (Uece). É pesquisadora na área de gêneros, gerações e sexualidades. Membro do Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania (Labvida) e integra o Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência (NAH).