Desfecho do caso Isa Penna e a força da mudança
Como a luta das mulheres é atravessada pela solidariedade e pelo entendimento de que a vitória de uma abre caminho para outras
Monalisa Soares
monalisaslopes@gmail.com
Há um mês, escrevi aqui sobre a violência política de gênero, a partir do caso de assédio cometido pelo deputado estadual (Cidadania-SP) Fernando Cury contra a deputada estadual Isa Penna (Psol-SP). Naquele momento, 9 de março, o Conselho de Ética da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) havia determinado como punição a suspensão de 120 dias, que mantinha o gabinete do deputado em funcionamento, com funcionários remunerados desempenhando funções de interesse do mandato, deixando patente o caráter punitivo “para inglês ver”. Diante de tão benevolente sanção, Isa Penna reagiu afirmando que o “resultado mostrava que boa parte dos deputados da Alesp acreditam que as mulheres podem ser, sim, assediadas em seu espaço de trabalho”.
Após a decisão do Conselho, a sentença seria enviada à Mesa Diretora para apreciação pelo plenário da Casa legislativa. Abria-se, portanto, uma nova frente de batalha. Isa Penna e os movimentos feministas atuaram em duas frentes, uma institucional e outra de mobilização, ambas buscando restituir a visibilidade do caso e evidenciar a insuficiência da punição definida pelo Conselho de Ética.
Assim, a deputada apresentou junto à Presidência da Alesp uma emenda para que o plenário votasse sobre a cassação de Fernando Cury em apreciação sobre o parecer do Conselho de Ética. O presidente negou a possibilidade de modificação do parecer. Aqui cabe destacar que tal emenda foi produzida em colaboração com parlamentares de diversos partidos, o que denota a amplitude que a demanda por uma punição efetiva ganhava no próprio plano institucional. Diante da negativa da presidência, a deputada recorreu ao Tribunal de Justiça para que as emendas ao parecer do Conselho de Ética pudessem ser apreciadas. A decisão do Tribunal, no entanto, não chegou antes da apreciação pelo plenário.
Do lado da sociedade civil, foi lançada a campanha Por uma punição exemplar. O movimento reuniu personalidades públicas, angariou mais de 14 mil assinaturas e disparou mais de um milhão de e-mails pressionando deputados/as pela cassação do mandado de Cury. A campanha chamou atenção para o fato de que a importunação não é episódica, ela compõe uma regularidade na experiência das mulheres no espaço público. Destacou-se o dever de legisladores(as) em produzir ações que sinalizem a necessidade de mudanças nas relações e na convivialidade entre homens e mulheres em quaisquer espaços da sociedade, garantindo às mulheres pleno acesso aos espaços públicos, livres de coações e/ou constrangimentos.
As mobilizações culminaram na decisão inédita do plenário da Alesp em aprovar por unanimidade – dos(as) 86 parlamentares presentes – a suspensão por 180 dias, que redunda na perda temporária de mandato, de Fernando Cury. A decisão do plenário, no dia 1º de abril, corrigiu a leniência com que o Conselho de Ética tratou o caso, ampliando e tornando efetiva a suspensão do deputado. Para alguns, como declarou a deputada Isa Penna, a decisão ainda seria considerada insuficiente dada a gravidade do ato. No entanto, reconhecendo os esforços de mobilização das mulheres na sociedade civil e no parlamento, a deputada afirmou: “Essa decisão reconhece que há violência política de gênero, que há violência institucional de gênero, que a violência machista está dentro do Estado brasileiro, e isso é histórico. Essa decisão vai servir de subsídio para outras mulheres que queiram questionar essa realidade em seus locais de atuação”. Somada à decisão da Alesp, veio a público a notícia de que o Ministério Público também havia oferecido denúncia contra Fernando Cury.
Recompor os eventos entre a decisão do Conselho de Ética e a do Plenário da Alesp deixa explícito o quão insistente necessita ser a luta de uma mulher para que a justiça face a violência sofrida seja minimamente alcançada. Consideramos aqui que estamos a falar de violência sofrida por uma parlamentar, cujo caso gerou repercussão nacional… Ao avaliar sua jornada nos últimos meses, Isa Penna definiu o período como o pior de sua vida. Imaginemos, então, tantas outras mulheres que sofrem as mesmas importunações, coações e constrangimentos. Pensemos nos desafios enfrentados por mulheres anônimas para denunciar e lutar por justiça. Georgia Oliveira refletiu com maestria, em coluna aqui no Bemdito, sobre a via crucis que as mulheres vivenciam em seu percurso por justiça.
Por outro lado, gosto de observar que os mesmos eventos nos mostram que a luta das mulheres é atravessada pela solidariedade e pelo entendimento de que a vitória de uma abre caminho para outras. É assim que interpretamos as iniciativas do mandato de Isa Penna que pretende, a partir de uma articulação com parlamentares do PSOL e de outros partidos, protocolar Projeto de Lei que propõe a paridade nos conselhos de ética das casas legislativas, além da discussão acerca da ampliação de medidas que aprimorem a legislação sobre assédio no Brasil.
bell hooks afirma que a solidariedade política entre as mulheres se caracteriza por ir além do compartilhamento de experiências, e mesmo da compaixão em face das dores comuns. O que nos une é o comprometimento na luta contra as injustiças do patriarcado. E, desse modo, como afirma a autora, “a solidariedade política entre mulheres [é] a força que faz as mudanças positivas acontecerem”. O que me leva a pensar é que isso é a luta das mulheres: contínua, em que celebramos cada vitória (mesmo as parciais), pois sabemos que são frutos da mobilização solidária de muitas mulheres (espalhadas no tempo e no espaço).
Monalisa Soares é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisadora do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM) com ênfase em campanhas eleitorais, gênero e análise de conjuntura. Está no Instagram.