Lula adula o Ceará
Segunda maior região em número de eleitores, o Nordeste se destacou nas eleições presidenciais dos últimos 15 anos pelo realinhamento e pela adesão eleitoral ao projeto político do lulismo. Mesmo em 2018, num significativo contexto de antipetismo, a região deu vitória a Fernando Haddad sobre Bolsonaro, garantindo-lhe 69,7% dos votos válidos.
Especialmente no último ano, o presidente vem tentando disputar o eleitorado com viagens recorrentes e inaugurações de obras nos estados nordestinos. As pesquisas de opinião pública, no entanto, seguem confirmando a região como um bastião de rejeição significativa ao presidente.
Dados da pesquisa Datafolha: Bolsonaro é reprovado por 60% dos(as) nordestinos(as). Ciro Gomes (PDT) também tem buscado fortalecer as articulações com lideranças regionais para sua candidatura, vide as alianças em Recife (PE), Salvador (BA) e São Luís (MA) nas eleições municipais do ano passado (2020). Essas movimentações colocam o Nordeste como um importante campo de batalha na disputa eleitoral de 2022.
Na última semana, o ex-presidente Lula iniciou um tour pela região. A visita prevê passagem pelos estados de Pernambuco, Piauí, Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia. Na agenda de atividades, a opção por eventos com participação limitada de pessoas por conta das restrições da Covid-19: reuniões com lideranças políticas, encontros com representantes de movimentos sociais e povos indígenas, visitas a assentamentos rurais, complexo portuário, etc. Foi prevista para o Ceará a estadia mais longa. Lula chegou dia 20 de agosto, última sexta-feira, e tem previsão de partida para 24, data em que esta coluna está sendo publicada.
No Ceará, Lula enfrenta duas frentes: um antigo aliado e pré-candidato à presidência, que vem lhe tratando como desafeto (Ciro Gomes, do PDT), e uma oposição bolsonarista que se fortaleceu nas eleições municipais.
Além disso, o ex-presidente busca conquistar a liderança de maior visibilidade e expressão política do PT, o governador Camilo Santana, que possui relações estreitas com o grupo dos Ferreira Gomes. A construção de articulações políticas e palanques futuros no Ceará demandam, portanto, movimentos bem orquestrados. Quaisquer mínimos comentários ou rumores podem gerar incômodos ou dissidências.
Uma evidência disso foi a matéria que circulou na mídia local, no dia 18 de agosto, indicando que Lula se reuniria com o ex-senador Eunício Oliveira (MDB). O texto também afirmava que o ex-presidente havia expressado seu desejo pelo retorno de Eunício ao Congresso Nacional nas eleições do ano que vem.
Mesmo não havendo menção ao cargo que este postularia, circulou nas redes sociais a inferência de que Eunício buscaria o Senado, gerando o burburinho sobre o conflito com a provável candidatura de Camilo Santana. Lula ainda nem havia chegado ao Ceará e já precisava planejar como apagaria pequenos incêndios.
Em entrevista de março deste ano, o ex-presidente afirmou estar disposto a disputar o coração do governador. A agenda de Lula no Ceará deixou evidente como Camilo Santana segue sendo um agente estratégico a ser conquistado e o quanto são grandes os esforços na promoção da associação política.
Durante os dois primeiros dias de atividades públicas, Lula e Camilo estiveram o tempo todo juntos. Na sexta-feira, o governador foi buscar o ex-presidente no aeroporto, depois o recebeu no Palácio da Abolição. O sábado envolveu duas atividades: a) pela manhã, realizaram visita ao Complexo Industrial e Portuário do Pecém; b) à tarde, um Encontro com Movimentos Sociais e Culturais do Estado.
Nas redes sociais de ambos, postagens registrando as atividades conjuntas. Nos discursos, acenos e reconhecimentos mútuos às realizações políticas. A busca pela associação política entre Lula e Camilo foi sintetizada numa peça produzida pela equipe do ex-presidente que mesclava trechos dos discursos e imagens de ambos na visita ao Complexo Industrial e Portuário do Pecém.
No vídeo, Camilo Santana atribui ao governo de Lula os esforços iniciais que contribuíram para geração de mais de 30 mil empregos existentes atualmente no porto. As postagens, imagens e discursos buscam construir o enredo de uma parceria política.
Em pesquisa divulgada, o eleitorado do Ceará indicou ampla preferência por Lula em comparação a Bolsonaro e Ciro Gomes. Diante desses dados, seria possível imaginar um jogo político mais simples para o ex-presidente no Estado. Ele, no entanto, sabe que seu capital político é uma variável em meio a outras, como o capital político do atual governador, na disputa eleitoral do ano que vem.
Não por acaso, Lula vem atuando para garantir a aproximação com Camilo Santana e exercitando sua sedução para mantê-lo no PT. Afinal, mesmo que o partido lance ou não candidatura própria, há uma grande diferença para a performance do presidenciável no Estado ter um palanque com ou sem a presença do governador tão bem avaliado.
No encontro com os movimentos sociais e culturais, Lula afirmou que necessita “adular muito o Ceará”. Essa necessidade se dá pela ampla preferência eleitoral da população e pelo complexo jogo de construção de alianças no Estado. O principal alvo das lisonjas, Camilo Santana, apesar dos muitos acenos, segue avaliando os caminhos possíveis entre a permanência da aliança de longa data com o grupo dos Ferreira Gomes e o futuro de projeção nacional que Lula e o PT podem proporcionar. Buscando, no limite entre esses, uma interseção.