Bemdito

Para onde vai o desejo político de mudança em 2022?

Eleitor chega a 2022 frustrado, em exaustão, e ansioso por mudanças
POR Monalisa Soares
Elza Fiúza/ABr

Mudança e continuidade são temas recorrentes nas disputas eleitorais, dada a estrutura de disputa entre situação e oposição. A despeito dos discursos produzidos em cada campo, observamos que é a partir dos anseios do eleitorado que um ou outro desses temas se tornam imperativos para governo e oposição nos pleitos eleitorais. 

Nesse sentido, pesquisa do Ipespe, divulgada em 3 de novembro, traz uma questão sobre o “Desejo para o próximo Presidente: Continuidade ou Mudança”?. O levantamento destaca que 56% dos/as entrevistados/as desejam que o/a próximo/a presidente/a “mude totalmente a forma como o Brasil está sendo administrado” e 25% “mude um pouco”. 

Os dados corroboram a interpretação que vem se consolidando entre analistas de que teremos uma eleição em que há boas condições para exploração de um teor antibolsonarista. Isso explica a quantidade, que só cresce, de candidaturas no campo oposicionista, assim como explica algumas ações recentes do presidente, como a criação do Auxílio Brasil, visando estancar a sangria da sua popularidade.

Em termos da disputa de 2022, a última semana foi animada no âmbito da chamada terceira via. Dois eventos movimentaram o noticiário político: a suspensão da candidatura de Ciro Gomes (PDT) e o retorno de Sergio Moro à cena política com os prenúncios de uma candidatura.

A decisão do ex-ministro pela suspensão da candidatura foi motivada por divergências em torno do posicionamento favorável de parte expressiva da bancada pedetista na votação da chamada PEC dos Precatórios.  Em pronunciamento, o presidenciável afirmou que a aprovação da medida corroborava com a “corrupção, clientelismo grosseiro, erros administrativos graves, desvios de verbas, calotes, quebra de contratos e com abalos ao arcabouço constitucional” e que isso não poderia justificar a votação favorável ainda que se invocasse “justiça social e defesa dos mais pobres” como resultados da ação. 

Se a pretensão de Ciro era uma chamada ao debate à bancada de seu partido, que voltará a se debruçar sobre o tema na votação em segundo turno, o ex-ministro também provocou celeumas internas. Carlos Lupi, presidente do PDT, recorreu ao STF contra “manobras” na votação conduzidas pelo presidente da Câmara Arthur Lira (PP); os deputados do partido debatem sobre recuar ou não da posição. Fato é que a jogada do ex-ministro é bastante contundente e, ainda que sugira um “ultimato” aos correligionários, também lhe implica de algum modo: afinal, quais as consequências vindouras caso a bancada não revise a posição favorável à PEC? 

Não por acaso, discutiu-se também sobre o caráter estratégico dessa decisão de Ciro Gomes e em que medida revelaria sobre as intenções de fugir do desgaste, produzir uma imagem favorável, e/ou mesmo a busca por uma “saída honrosa” da disputa, que pode ficar mais complicada com a provável entrada de Sergio Moro.

O retorno do ex-juiz ao Brasil tomou a cena e fomentou as especulações sobre o lançamento de sua pré-candidatura à Presidência para 2022. Sendo este um tema muito debatido desde quando assumiu o Ministério da Justiça e Segurança Pública do atual governo e declarava não ter pretensões de embarcar na vida política, atualmente Sérgio Moro ainda tem se mostrado evasivo, assegurando apenas sua filiação cuja solenidade já tem data para ocorrer. Os interlocutores e observadores políticos, no entanto, já dão como certa a candidatura presidencial, especialmente, pelo contato de Moro com lideranças de partidos de direita e centro-direita (PSDB, Novo, Cidadania, PSL) na última semana. Em seu favor o ex-juiz também teria o fato de ser a candidatura de terceira via com maior viabilidade, de acordo com as pesquisas. 

Os dados apontam-no, quando sondado, como o candidato mais bem posicionado após Lula e Bolsonaro e com potencial de crescimento até 30% de intenção de votos[1]. É o candidato que melhor mobiliza o eleitorado que rejeita tanto o líder quanto o vice-líder na corrida. Contra si, o ex-juiz tem uma rejeição eleitoral significativa, que foi crescendo desde sua saída do governo e se adensou após as decisões do STF sobre a Lava Jato. Além disso, nas simulações de segundo turno sua performance não é melhor do que a de Bolsonaro diante de Lula. A superioridade numérica do ex-presidente é a mesma contra ambos – de 18% em intenções de votos.

O que mobiliza Ciro, Moro e uma gama de outras candidaturas, até mesmo a de Lula – líder das pesquisas, é a aposta nesse anseio de mudança que vem se anunciando no eleitorado brasileiro. Já na disputa à reeleição de Dilma Rousseff, em 2014, essa foi a tônica do debate eleitoral, o que levou a campanha da presidenta a readequar seu discurso, que seria tipicamente de continuidade. Assim, naquele momento, o PT buscou garantir ao eleitor que seu projeto político era o mais confiável para garantir as mudanças requeridas pela população. Após conseguida a quarta vitória petista consecutiva, veio a crise política, a deposição de Dilma e o precário governo de Michel Temer. 

O tema ‘mudança’ continuou no radar do eleitorado em 2018 e foi Bolsonaro, com seu discurso antipolítico e antissistêmico, quem encarnou os desejos de um futuro bem distinto do que se tinha visto até então. Agora, quase três anos depois, em meio a uma gestão negacionista da pandemia e um cenário arrasador na economia, a aposta de milhões de brasileiros parece mais uma vez frustrada e o desejo permanece insaciado. 

O eleitorado brasileiro se volta para 2022 com anseios de mudança frustrados ao longo dos anos. Resta saber se alguma das candidaturas em jogo conseguirá apresentar um projeto de futuro que dê vazão a esse desejo. E se o fizer, conseguirá (re)construir uma estabilidade política no País?

Monalisa Soares

Doutora em Sociologia e professora da UFC, integra o Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia e se dedica a pesquisas na interface da comunicação política, com foco em campanhas eleitorais, gênero e análise conjuntura.