Bemdito

“Você vai trabalhar ou vai dar aula?”

Como docente do Ensino Superior desde 2004, já ouvi muito esta pergunta; mas e dar aula não é trabalhar? E o trabalho de professora é só dar aula?
POR Juliana Lotif
Foto: Philippe Bout

Desde janeiro de 2020, estou afastada para qualificação, ou seja, não estou na minha universidade de origem (Universidade Federal do Cariri) e, sim, em uma outra (Universidade de Lisboa), cursando o Doutorado em Design. A pergunta das pessoas agora mudou para: “você não trabalha? Só estuda?”.

Ora, ora, e estudar não faz parte do trabalho de professora? Pois digo que hoje o meu trabalho é estudar. Um privilégio de poucas doutorandas e doutorandos do Brasil, em um momento de escassos recursos para bolsas e de políticas que dificultam o afastamento de servidores para a qualificação.

“Ensinar exige pesquisa”, defendeu Paulo Freire, na Pedagogia da Autonomia (1996), uma espécie de livro-síntese, que, como diz o subtítulo, traz os “saberes necessários à prática educativa”. Para ele, a pesquisa serve para o professor conhecer o que ainda não conhece, para depois anunciar a novidade aos estudantes.

Longe dos estereótipos de pesquisadores em laboratórios com tubos de ensaio, mas também distante das publicações renomadas que geralmente só acontecem depois de muitos anos de estudos, compartilho com vocês algumas atividades que fiz neste ano de 2021 como estudante/pesquisadora/trabalhadora.

Foram duas disciplinas cursadas, dois capítulos da tese escritos, participação em aulas de colegas, membro de banca de TCC, cursos de curta duração ministrados, reuniões em grupos de estudo, organização de eventos científicos, avaliadora de trabalhos em dois congressos, dois artigos escritos e aprovados em outros congressos, participação em podcast, produção de conteúdo para meu perfil profissional no Instagram e a coluna aqui no Bemdito sobre as minhas pesquisas.

Tudo isso integra aquela parte oculta do que é trabalho, pesquisa e docência. Fazer pesquisa, fazer ciência é demorado, trabalhoso, muitas vezes solitário, estressante, e envolve participar de muitas ações para que os resultados sejam aos poucos colhidos.

Toda vez que vejo na mídia a divulgação de alguma pesquisa, sempre penso em quantas pessoas estiveram envolvidas e por quanto tempo o trabalho foi maturado até chegar naquele ponto. Valorizar a ciência não é só louvar os resultados, mas conhecer e reconhecer os processos, os pequenos passos dados e divulgados cotidianamente nos grupos de pesquisa, nos eventos e na sala de aula.

Juliana Lotif

Comunicadora social e designer, é professora de Comunicação Visual na UFCA. Mestre e doutoranda em Design pela ULisboa, foi coordenadora de cursos de graduação e pós-graduação em Publicidade, Jornalismo e Design.