Quem vai para o espaço?
Na última semana, um tuíte da deputada federal Gleisi Hoffmann chamou a atenção:
“Homem mais rico do mundo, dono da Amazon fará primeira viagem espacial de turismo, dia 20/07, com seu irmão. Terceira vaga está em leilão c/ lances acima de U$ 2 mi. Num mundo onde milhões morrem de fome, isso devia ser proibido, a menos q mostrasse benefício concreto p/ humanidade.”
A deputada pareceu indignada com a decisão de Bezos, que não é isolada. Elon Musk, dono da Tesla, também tem feito investimentos no espaço.
O questionamento sobre os gastos com a matéria, em comparação com a pobreza do mundo, é falácia antiga da economia política, do tipo que opõe coisas sem qualquer relação entre si. O jogo de soma zero que diz que: se “x” foi gasto com o espaço, então, necessariamente, esse “x” foi retirado dos mais pobres.
Thomas Sowell, um economista americano, tem profícua obra voltada para provar como, em diversas partes do mundo e em diversas épocas, isso se provou falso. Como tratei em texto anterior, a economia é mais complexa do que o jogo de palavras.
Ainda sobre o questionamento feito, não raro isso acontece com questões como a exploração espacial, e ainda com gastos com Defesa ou com algumas formas de tecnologia sem aplicação imediata.
Existem alguns ditos na economia que retratam isso: manteiga versus canhões, ou arados versus espadas. Utilizados para questionar gastos de guerras – espaço e guerras têm tudo a ver -, os dilemas tratam do uso de dinheiro público em conflitos, quando há necessidades mais urgentes internamente.
O confronto entre os dois tipos de gastos foi reforçado, por exemplo, ao final das duas grandes guerras. Países destruídos, nos quais a capacidade de produção havia sido diminuída, mas que precisavam usar os seus meios para lutar.
Nesse ponto, é preciso deixar claro por que chamou a atenção o tuíte que começou o texto: a tentativa de igualar as fontes e de criticar o gastador do dinheiro no espaço e também a hierarquização dos tipos de gastos que, quando do dinheiro público, são dever de cobrança do cidadão.
Já quando o gasto é privado, vem – além da falácia da soma zero e da cultura moralista que temos ao lidar com dinheiro, ainda mais forte nos países latinos – a demonização do enriquecimento e do empreendedorismo, tão típica da terra de Bruzundanga.
A exploração do espaço é motivo de estudo e dedicação há anos! As possibilidades de expansão da vida na Terra para efetivamente viver em Marte ou na Lua já deixaram de ser apenas tema de ficção há muito tempo.
Os relatórios revelados pela NASA, com efetiva preocupação com algum tipo de contato de moradores extraterrestres, são mais um capítulo do fim dessa barreira.
Se antes o desconhecido era o além-mar, agora o espaço ocupa esse lugar.
Também por isso, um relatório anual do Painel Consultivo de Segurança Aeroespacial da NASA destacou o alerta sobre não existirem “regras de trânsito” universalmente aceitas para a segurança das operações espaciais, muito menos um regime regulatório para gerenciamento ativo de riscos e prevenção de colisões.
Empresas privadas no espaço
Antes matéria apenas dos Estados, agora o envio de pessoas, animais e plantas e a construção de bases espaciais para pesquisa já pode ser feito por empresas privadas.
Laika, a cachorrinha russa que demorou anos para ser enviada à órbita da Terra, abriu caminho para o envio de 128 filhotes de lulas bobtail (um tipo de molusco que brilha no escuro), acompanhadas ainda de 5 mil tardígrados, os animais microscópicos mais resistentes do mundo.
Esse despacho foi feito pela SPACEX, no início de junho deste ano. A empresa SPACEX já tinha inovado no ano passado, quando enviou tripulação para a Estação Internacional.
A Estação é mantida por vários países e as instalações servem às mais diversas pesquisas, desde botânica à robótica. O dinheiro privado tem colaborado para a expansão (e a manutenção da expansão) em época de recessão da economia aqui embaixo. Na Terra.
A massificação, dentro da devida comparação, da tecnologia espacial e a abertura às parcerias privadas permitiram aumentar o dinheiro investido nessas pesquisas sem sacrificar “a manteiga” ou “o arado”.
Uma das consequências disso pode ser inclusive a possibilidade de transporte intercontinental em velocidades nunca antes imaginadas, por meio da camada estratosférica mais baixa. Inicialmente, só de pessoas, mas abre-se um mundo de possibilidades para que esse transporte seja de produtos, mantimentos, máquinas.
Mais rapidez por cada vez menor custo, conforme a tecnologia evolua. Inovação, melhora da qualidade de vida, geração de riqueza. Ainda que os meios sejam escassos, a criatividade humana não é e, por isso, a soma zero é falsa.
Por isso, a indignação da opinião da deputada lá no começo é válida, pois opinião livre deve ser protegida e torço para que ela sempre tenha espaço para achar o que quiser. E por acreditar nessa liberdade de opinião, penso: é linda a cobrança pelo mau gasto do dinheiro público, que de público não tem nada. É nosso.
Quanto a Bezos, Musk ou quem mais queira dar passeios no espaço com seu próprio dinheiro, investir em ciência é ajudar a humanidade a ganhar em tecnologia, conhecimento e riqueza, por sua iniciativa privada.