Bemdito

Estar em Brasília é ver a valsa de perto

Algumas impressões sobre uma atividade essencial à política: o lobby
POR Simone Mayara

Já faz 1 ano , com uma pequena pausa , que escrevo aqui no Bemdito, mas acho que nunca expliquei exatamente o que faço: relações governamentais. Em boa adoção do anglicismo: lobby. Não, não envolve malas de dinheiro ou pedido de ouro a prefeitos para liberar verbas de educação. Na verdade o lobby é uma atividade interessante à democracia já que garante que grupos organizados possam representar seus interesses junto às autoridades do legislativo e executivo nas mais diversas esferas. 

O termo já foi desvirtuado de toda forma e agora caminha na Câmara dos Deputados um projeto de lei para definir e parametrizar a profissão deixando claro que vai muito além de ter uma boa agenda de telefones e muitos contatos. Envolve muita pesquisa e estudo, longe da imagem de escusas trocas de favores que acabou sendo cristalizada no imaginário das pessoas.

A combinação de estudo, constante atualização sobre a política nacional e internacional e boas habilidades interpessoais me fez descobrir que fazer isso é o que mais gosto nessa vida. Mas esse texto não é sobre me encontrar profissionalmente mas sobre a graça que tem ver as coisas tão de perto.

A política já foi comparada a muitas coisas pra explicar sua dinâmica, no texto passado falei como a guerra é, inclusive, definida como sua continuação. Há quem chame de jogo e compare a uma partida de xadrez em 4D. Nos estudos, há quem tente padronizar e tratar como ciência, mas, dia desses assistindo presencialmente uma sessão do Senado, vi uma valsa.

O vaivém, os passos ora rápidos ora lentos. As pausas nos discursos para dar ênfase. Um salão cheio de dançarinos, metaforicamente.  Mas essa comparação não fica só ali na cena, as notícias dessa semana me fizeram estender a comparação. 

Em ano de eleições para os cargos federais, a impressão que tenho é que a valsa é geral. Trocas de pares, o ritmo que vai acelerando conforme o ano passa. Janelas partidárias e formação de federações roubam o lugar do marcador de tempo e ditam o ritmo. Uma parte do meu trabalho tem sido produzir relatórios explicando para quem está no mercado os movimentos desse ano.

Por exemplo, até 1° de abril ocorre a janela partidária e os políticos em cargos com votação proporcional podem mudar de partido sem perder o mandato. As trocas de pares aqui indicam fluxo de poder, interesses e podem indicar para onde a balança irá pender em outubro. Quando a troca representa uma traição, as coisas ficam ainda sim mais animadas.

Outra coisa curiosa são as pautas postas em votação nesse ano. Existe um consenso sobre temas polêmicos: não entram. Quase todo mundo ali está tentando eleição e não vão se expor assim. Há uma espécie de acordo tácito, um passo combinado. Mas um clássico nesse momento são as pautas de caráter populista, o que gerar barulho, atenção e a possibilidade de dizer que aquele benefício nada mais é que uma dádiva promovida por “fulano ou fulana” vira a música da hora, tocada no modo “repetir” de preferência.

Sempre que converso com amigos de outras cidades e eles acham curiosa essa proximidade ao bastidor da política noto alguma surpresa sobre o compasso dessa valsa toda. Quando asseguro que X vai se candidatar e que tal pauta não entra pra votação alguns argumentam mil coisas de importância daquilo para o país e sobre os objetivos de X serem muito distintos e por isso minha afirmação não viria.

A graça dessa valsa é que tem que ser vista de perto pra ser completamente compreendida, os ruídos dos corredores fazem uma diferença enorme na coreografia. Por vezes pode ser difícil de assistir, mas ainda é boa valsa.

Simone Mayara

Analista política, é especialista em Direito Internacional e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política. Atualmente é sócia na consultoria de diplomacia corporativa Think Brasil.