Bemdito

A defesa da Constituição é inegociável

O caminho até aqui não foi fácil, ainda está em construção e merece constante vigilância para não cairmos em retrocessos autoritários
POR Alex Mourão
Foto: Wikimedia Commons/Lucas Silva/Guia do Estudante/Reprodução

Quando Montesquieu pensou a sua famosa fórmula de separação dos Poderes, a ideia era buscar um equilíbrio e, principalmente, garantir que o poder fosse limitado pelo próprio Poder. Da mesma forma, a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, desde o século 18, já defendia a separação dos Poderes. Sem Poder Moderador.

Por aqui, até já existiu um tal Poder Moderador, criação meio estranha da época imperial, que estava escrita no artigo 10 da Constituição de 1824: “Os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial”.

Mas a moda mesmo, depois, foi a tripartição.

Com a primeira Constituição da República, de 1891, acabou esse negócio de Poder Moderador e adotou-se a fórmula de Montesquieu, dos três Poderes, harmônicos e independentes, como estava escrito em seu artigo 15: “são órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si”.

A mesma ideia se repetiu na Constituição de 1934. Na Carta de 1937, mesmo que apenas formalmente, foi mantida a mesma tripartição dos Poderes. Na Constituição de 1967, também estava previsto, mas, também, apenas de maneira formal. Ou seja, nas ditaduras o poder ficava nas mãos do ditador e pronto. Mas isso passou. Vivemos em uma democracia e essa deve ser defendida. Sempre.

Em 1988, mais uma vez se repetiu no texto Constitucional a tripartição dos Poderes e, na ocasião, com um empenho forte das instituições, marcando fronteiras claras que foram se aperfeiçoando ao longo dos anos. Ventos da democracia. O equilíbrio, pelos freios e contrapesos, passou a ser um alicerce para manutenção do espírito constitucional.

Essa separação dos Poderes não é apenas uma forma de gestão do Estado, mas um instrumento de equilíbrio, para assim combater desvios que possam desaguar em regimes violentos e ditatoriais. Esse equilíbrio é visto em diversos momentos da vida constitucional e política. Por exemplo, o presidente indica os membros do Supremo Tribunal Federal, mas esses indicados precisam passar por uma sabatina no Senado Federal. Esse é um exemplo de equilíbrio. Uma fórmula simples e que tem se mostrado tão importante.

Essa fórmula de repartição é tão importante, que é defendida na própria Constituição. O documento prevê mecanismos de ajuste nos embates institucionais entre os Poderes. Esses embates podem ser em um grau aceitável ou não. Quando não, as responsabilidades devem ser cobradas. Para isso, o artigo 5º, inciso XLIV, afirma que constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

O mesmo texto Constitucional não deixa dúvida, lá em seu artigo 85, quando, ao falar da responsabilidade do presidente da República, aponta que são crime de responsabilidade os atos do presidente quando atentam contra a Constituição. E não para por aí: o mesmo texto afirma que são crime de responsabilidade os atos contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação.

E continua. Além da previsão constitucional, a Lei 1.079, do ano de 1950, define o crime de responsabilidade, que acontece quando o presidente da República atenta contra o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário e dos poderes constitucionais dos Estados. Também é crime opor-se diretamente – e por fatos – ao livre exercício do Poder Judiciário, ou obstar, por meios violentos, ao efeito dos seus atos, mandados ou sentenças.

Sei que essas explicações e repetições podem parecer chatas. E, de certa forma até são, mas também são necessárias. É necessário repetir o respeito à democracia e ao equilíbrio institucional, pois pensar diferente disso é entrar no triste caminho da ditadura, marcado pelo arbítrio e pela violência, questões do passado cujo retorno não desejamos. O caminho até aqui não foi fácil, ainda está em construção e merece constante vigilância para não cairmos em retrocessos autoritários.

Por fim, só para deixar claro mesmo: não há Poder Moderador na Constituição Federal. Ainda, as Forças Armadas não são Poderes da República. Nem Moderador, que não existe.

PS: Optei, no presente texto, por usar o termo “poder” ou “poderes”, e não “função”, uma vez que o tema tem sido tratado atualmente dessa forma.

Alex Mourão

Professor universitário, graduado em Filosofia e Direito, mestre e doutorando em políticas públicas.