Bemdito

Efeitos da fragmentação partidária no Legislativo brasileiro

E a herança de Eduardo Cunha nesses jogos políticos
POR Paula Vieira
Foto: Lula Marques/Agência PT

Na dinâmica do Legislativo, existem dois aspectos importantes para compreendermos os jogos políticos. O primeiro refere-se à proporcionalidade, voltada para a representação de interesses plurais. O segundo dirige-se à fragmentação partidária. 

A proporcionalidade no Legislativo busca que nos parlamentos municipais, estaduais e federal exista uma correlação de forças políticas em representação. Para pensar a proporcionalidade, o caminho é compreender que os partidos são associações em torno de um objetivo comum que assume a forma de um projeto político para tomar decisões. Por isso, espera-se que os parlamentares estejam minimamente vinculados ao projeto coletivo representado pelas ideias partidárias. A partir daí, temos os conflitos e a possibilidade de negociar consensos. 

Com base nessa lógica geral de funcionamento de sistema político, a fragmentação partidária é, com frequência, atribuída ao “multipartidarismo exacerbado”, ou seja, à existência de muitos partidos com representação no Legislativo. Desse modo, o fim das coligações e o estabelecimento da cláusula de desempenho se justificam para diminuir o número de legendas.  

Entretanto, chama a minha atenção uma outra dimensão da fragmentação partidária: os parlamentares, nos últimos anos, não estão votando disciplinadamente, ou seja, não seguem a orientação das legendas das quais fazem parte. A consequência é a individualização dos posicionamentos dos agentes políticos legislativos que usam como estratégia de ação a formação de blocos conforme a pauta em votação. 

Carlos Ranulfo Melo, professor de Ciência Política da UFMG, em recente palestra para a TV da Democracia, afirmou que a Câmara Federal está funcionando em uma lógica de maioria simples. Para ele, e aqui estou de acordo com essa análise, desde que Eduardo Cunha foi presidente da Câmara, os partidos perderam o peso como organizadores na dinâmica do Congresso. 

Com exceção de partidos de esquerda, como o PT, PSOL, PCdoB, há uma tendência de que os parlamentares se mobilizem segundo as coalizões que se formam pauta a pauta. E as pautas, desde 2015, mudam conforme o Presidente da Câmara que, por sua vez, é beneficiado pela fragmentação interna nos partidos decorrente da individualização da política.

Assim, com o processo de individualização como estratégia de ação parlamentar, o Presidente da Câmara torna-se um agente propositivo de agenda política e com um poder de ação de amplo alcance pelo esvaziamento das organizações coletivas. Acrescenta-se, ainda, que o espaço está sendo ocupado por agentes políticos do “Centrão”.

Nesse cenário, o parlamento se torna propositor de pautas e articulador de pastas ministeriais do Executivo. Com a fragmentação interna dos partidos, a Câmara torna-se um espaço de formação de maiorias simples indo de encontro à proporcionalidade do nosso sistema político. 

Como exemplo desse cenário, Arthur Lira (PP), atual presidente da Câmara, vem movimentando a agenda de alterações eleitorais que descredibilizam qualquer estabilidade das instituições de representação política do Brasil.

O voto impresso foi pautado numa insistência desconexa com quaisquer dados que pudessem comprovar fraudes. O distritão foi matéria vencida em 2015, retornou esse ano, foi vencido novamente. As coligações para o Legislativo, retiradas em 2017 e implementadas uma única vez como nova regra nas eleições municipais de 2020, tiveram seu retorno aprovado. 

As “federações partidárias”, embora encaminhadas, perdem o sentido com o retorno das coligações, pelo fato de que, para os partidos, estas últimas têm a vantagem de ser aliança pontual durante as eleições. Nas federações, por sua vez, os partidos se aliam durante os quatro anos da legislatura. O intuito é que reforcem o caráter programático das alianças para que elas não sejam meramente pontuais.     

Com a possibilidade do retorno das coligações, ainda a ser votada no Senado, há maior possibilidade de aumento do número de partidos e, consequentemente, continuidade de fragmentação interna decorrente da ação individual dos parlamentares.   

A alteração das regras é um embaralhar de cartas. Reforça a individualização da política e, ainda, sustenta a distância dos eleitores nas nuances do jogo institucional. O jogo político não se joga só. O jogo político é coletivo

Paula Vieira

Doutora em Sociologia e professora da Unichristus. Integrante do Laboratório de Estudos sobre Política, Eleições e Mídia (LEPEM). Pesquisa sobre instituições políticas brasileiras com ênfase na dinâmica do Legislativo.