Bemdito

Que bela época para ser um esquisito

Uma homenagem ao economista Roberto Campos e aos assumidamente esquisitos
POR Simone Mayara
Roberto Campos discursa na Assembleia Nacional Constituinte (Foto: Wikimedia Commons)

Para começar o texto preciso explicar que “esquisito” ou “esquisita” para mim nunca foi xingamento. Remete ao que foge do comum em um bom sentido, ao não ordinário. E mesmo acreditando que é no ordinário que se acha a graça da vida , e não nos momentos efusivos, para pessoas é no esquisito que a mágica acontece. Se houve um tempo de barbaridade, em que a esquisitice renderia fogueira ou a perda — literal — da cabeça, acho que os tempos pós-modernos são terreno fértil ao desenvolvimento desse modelo de gente. Em nossa época há uma espécie de pasteurização das coisas trazida pela internet. Em parte, ver pessoas que querem ter até as mesmas feições deveria deixar fácil saber que o diferente é quem não quer, correto? Não.

Com toda a comunicação em massa, ficou fácil fazer enormes grupos de esquisitos que não querem parecer com o comum. Um pouco do charme foi perdido mas, pelo menos, ficou mais fácil encontrar os seus pares. Talvez, a própria possibilidade de formar seu próprio grupo acabe com a premissa do que se considera esquisito.

Se você tem interesses ou atitudes que às vezes te fazem sentir estranho, duas coisas. Primeiro: você pode ser um esquisito. Segundo: uma hora você acha seu grupo. Vai, por mim. Fui uma criança viciada em Globo Repórter e enciclopédia Barsa, conheço a sensação de ser estranha.

Todo esse papo de “esquisito” surgiu durante a pesquisa para um projeto muito específico em torno dos 20 anos de morte de Roberto Campos. Que grandessíssimo esquisito e que falta faz. Bob Fields , como o apelidaram, teve uma carreira profícua como acadêmico, diplomata e político. Participou da Assembleia Constituinte, sendo abertamente contra a constituição que estava sendo construída e , quando ficou pronta, avisou que um modelo de Estado tão inchado não daria certo. Imagina, meses e mais meses em debates longos com pessoas que abertamente não concordavam com você para garantir que um projeto no qual não se acredita não saísse tão mal assim. Que sua visão para o País pudesse minimamente funcionar.

A erudição na fala, o raciocínio complexo… Detalhes que com certeza o distinguiam. Mas Roberto tinha a virtude de pensar diferente e expor sem medo. A confiança no conhecimento que construiu e no próprio trabalho o autorizavam a falar tudo aquilo, ouvir impropérios e continuar firme. Conviver com os escritos e entrevistas de Roberto me reacendeu os pensamentos sobre minha própria esquisitice. Em outro cenário, mas ainda do mesmo lado em 2021, ainda é esquisito discordar de opiniões do mainstream. Em minha experiência acadêmica, horas dos ditos debates em que todos concordam com todos não eram raras .

Ainda que orgulhosa por ser membro desse clã que diz direita quando todo mundo te manda virar à esquerda, preciso reforçar que não é fácil nem tranquilo, qualquer que seja a sua esquisitice específica. Mas se posso dar um conselho — dos que se fossem bons seriam vendidos —, abraçar isso é a melhor parte. Vivendo os dias que julgo meus melhores, noto que tudo aquilo que não tinha graça para o resto das pessoas foi o que me trouxe até aqui. Desde as informações inúteis de documentários aleatórios até a resiliência e paciência criada para defender o diferente, tudo hoje faz sentido nos dias de realização. Dias em que o trabalho me exige o prazer de gastar horas pesquisando nas obras de Roberto Campos e pensando: que legal esse esquisito.

Simone Mayara

Analista política, é especialista em Direito Internacional e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política. Atualmente é sócia na consultoria de diplomacia corporativa Think Brasil.