Bemdito

Até onde vai seu feminismo?

As ameaças a Tábata Amaral ensinam que a sororidade deve ser resposta a todo e qualquer episódio de violência contra a mulher
POR Paula Brandão

Sou feminista e de esquerda, creio que seja redundante dizer isso para quem é leitora dessa coluna semanal. Acredito que um país melhor para mim é aquele que será benéfico para nós. Como seria bacana se todas pudéssemos trabalhar intensamente durante a semana, e nos fins de semana tomar um chopp ou uma boa taça de vinho, e sim, luto para que um dia essa seja a realidade para nós!

Para ficar bom pra mim e pra você, creio que tenhamos que ter uma grande mudança no sistema capitalista que estamos inseridas, principalmente, no que se refere à redistribuição de renda; à ruptura definitiva com o patriarcado, que é uma estrutura histórica que hierarquiza relações entre homens e mulheres; à superação da cultura do estupro.

A deputada Tábata Amaral, do PSB, escreveu um artigo para a Folha de São Paulo, intitulado “Se encontro na rua, soco até ser preso, retuitou José de Abreu”. Na coluna ela revela as agressões que recebe diariamente pelas redes ou pessoalmente. Sintetizarei algumas: “Quem você quer provocar com esse batom vermelho? Mocinha, se inscreve no Big Brother, põe silicone e tenta algo na TV ou indústria pornô. Foi pra Harvard, mas é burra. Você é louca? Seu pai deve ter se matado por tê-la como filha; Mocinha bancada por milionários, quem é seu sugar daddy? Puta, vagabunda. Quando você vai para a rua? Eu queria fazer uma visita com o meu canivete.”

Eu li e fiquei revoltada com tantas ofensas e ameaças que a jovem deputada recebeu. Lembrei todas as querelas que tenho com ela, pelo fato de não concordar com seus posicionamentos e mesmo detestar suas posturas políticas. Mas eu sei o peso de todas essas acusações, quanto custam para a nossa autoestima e os medos que suscitam. Nesse momento, se a encontrasse, daria um forte abraço nela, como faria com uma amiga, com minha irmã ou alunas. 

O abraço que eu daria com muito prazer também em Simone Tebet, senadora que depois de um raciocínio concatenado, na CPI da covid, foi chamada de “descontrolada” pelo investigado, ao se deparar com a própria falta de preparo para respondê-la. Era o mesmo que eu faria com uma companheira de esquerda, porque sabemos que esses termos sempre são usados para nos aviltar ou desabonar os lugares a que chegamos. 

Outro ponto polêmico é que o nosso querido Presidente Autoproclamado José de Abreu retuitou a seguinte frase: “Se encontro na rua, soco até ser preso.” O ator tem sido um importante protagonista de esquerda, para dias tão duros que temos vivenciado. Ele foi alento quando se assumiu a fictícia presidência da “nossa república de bananas”, e podíamos recorrer a essa brincadeira para nos deleitar com uma possibilidade idílica numa realidade tão dura. Sim, o Zé é o nosso companheiro, e temos muitas afinidades políticas e ideológicas. Mas retuitar a frase, mesmo que as palavras não sejam dele, reproduzindo tal violência simbólica inconteste, foi um erro, meu caro. 

O que mais me deixou assustada foi o silêncio das pessoas. Enviei o artigo de Tábata em meus grupos bem diversos e houve um silêncio. Atribui-se a Martin Luther King uma frase que considero fundamental: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.” Quando mulheres calam, homens de esquerda engrossam a voz pra ratificar o erro, isso sim, me assusta!

Em artigo que publiquei, há certo tempo, no Bemdito: Quero o Haddad pra marido. E para Presidente?,escrevi sobre os esquerdo-machos, exatamente assim: “Se tem algo que precisa de uma autocrítica, talvez não seja o PT de Lula, mas os esquerdo-machos de todos os partidos! Mulheres do Brasil, uni-vos!”. Veja bem, a questão reside no fato que os de direita, debochados, com piadas sexistas e homofóbicas, nós já estamos exaustas de combater, de reivindicar um pouco de humanidade, de pedir que leiam mais para se informar, que se coloquem no lugar do outro! Não desistiremos de ensiná-los, ainda que estejamos já cansadas dessa cantilena. Mas o de esquerda é nosso camarada nas lutas, companheiro das nossas batalhas cotidianas. Como podemos lutar contra algo que é endógeno a essa formação político-ideológica?

Mulheres, companheiras de esquerda, nos encontraremos sempre nas ruas, combatendo o fascismo, o racismo, o machismo, o sexismo, a violência contra as mulheres, o feminicídio e Lgbtfobia. Mas conclamo que comecemos hoje mesmo, nos solidarizando, deixando ecoar a nossa conquistada sororidade para todas e todes que sofram com o peso dessa estrutural patriarcal que nos atinge. E quando tivermos que lutar de lados opostos, que seja um debate de respeito, considerando as questões pertinentes e não calando ou retuitando socos para nossa adversária política. Nem uma a menos!

Paula Brandão

Doutora em Sociologia pela UFC, e professora do curso de Serviço Social (Uece). É pesquisadora na área de gêneros, gerações e sexualidades. Membro do Laboratório de Direitos Humanos e Cidadania (Labvida) e integra o Núcleo de Acolhimento Humanizado às Mulheres em Situação de Violência (NAH).