Bemdito

O que há de tão fértil na amizade feminina?

Um mergulho na amizade feminina a partir de séries que marcaram a história
POR Gabi Dourado
(Foto: Divulgação da série "Confissões de adolescente")

Eu tinha 13 anos ou algo assim quando era viciada em Confissões de Adolescente. A história das quatro irmãs vivendo suas aventuras, amores e dores juvenis, cada qual em uma fase, era de identificação instantânea. Entre as quatro, uma ligação que ia além da sanguínea e que transformava cada experiência em algo a ser compreendido a partir da partilha entre elas. Claro, naquela época, eu queria ser a Carol, interpretada pela Deborah Secco. Anos mais tarde, com as reprises, passei a me identificar com a rebeldia da Bárbara, depois com o romantismo da Natália, para então me enxergar na escritora Diana, a mais velha.

O tempo passou, mas essa temática de três ou quatro mulheres reunidas dividindo o seu cotidiano parece ser um universo sem fim de possibilidades. E vem, cada vez mais, sendo explorada em diferentes perspectivas em seriados de streaming.

Não há como ignorar, por exemplo, Sex and The City e o seu sucesso estrondoso no início dos anos 2000. Carrie, Samantha, Charlotte e Miranda percorriam NY enquanto compartilhavam suas experiências sexuais e perspectivas de mundo. Confesso, porém, ter passado batido por essa geração e não me apetecido da história vivida na Big Apple, talvez pela falta de acesso a TV por assinatura na época. E, assistir hoje a episódios antigos de Sex and The City, só vale pelo apego emocional, uma vez que recorte do tempo prejudica algumas perspectivas das personagens. Não dá pra se apaixonar de agora. Porém, a importância da série é inegável, tanto que retornou recente em uma nova temporada.

Nos últimos anos, uma profusão de séries encontrou nessa máxima do quarteto de amigas um celeiro para enredos variados e atualizados com os novos tempos. O principal recorte, no caso, é o da faixa etária – já que todas se passam com mulheres em classe média, todas magras e maioria branca. The Bold Type, Valeria e À Beira do Caos, por exemplo, acompanham amigas entre 20, 30 e 40 anos, respectivamente, e conseguem encontrar caminhos diferentes para a mesma lógica.

The Bold Type percorre a rotina de amigas entre os 20 e alguns anos, no início de carreira, entre primeiros relacionamentos mais sérios e descobertas na sexualidade, e muita moda envolvida. Os apartamentos divididos, os pedidos de casamento, as separações com bastante sofrimento, a luta pra ser levada a sério nas empresas, a busca por melhores cargos, a experimentação entre orientação sexual… os vinte e poucos de Jane, Sutton e Kat conquistam quem por ali passa ou já passou recentemente.

Já os desafios dos 30 se encontram em Valeria, série que acompanha a trajetória da escritora que dá nome à trama junto a Carmen, Lola e Nerea. Um quarteto de idades equivalentes passeia pelas angústias e delícias da idade balzaquiana. As mudanças de carreira, os divórcios, as guerras com a família, as preocupações com a aparência, o encontro com o fracasso, os relacionamentos conturbados e as conquistas são compartilhadas entre elas.

Em À Beira do Caos, recém-estreado na Netflix, os tempos entre os 40 e 50 anos ditam o ritmo da vida de Justine, Anne, Yasmin e Ella. Mais quatro amigas que, em meio a reinvenções pessoais e desprendimento de amarras juvenis, conseguem ser o ponto de apoio entre si. Filhos, carreira e relacionamentos dão o tom do roteiro.

Mas o que há de tão curioso em uma amizade entre três ou quatro amigas que possa ser o ponto de partida de tantas produções? A escritora Iana Vilela avalia a amizade feminina como espaço de acolhimento e de trocas profundas, o que pode explicar ser este um cenário tão rico para explorar.

“Mulheres estão, como grupo, constantemente em batalhas: seja interna, com a sociedade ou os dois. Lidamos o tempo todo com nossos traumas – e quem não está lidando está revivendo. A disputa feminina é só um dos pilares do trabalho que tem (…) É por isso que a amizade entre mulheres é um bote salva-vidas. Mulheres não formam só uma rede prática e de compartilhamento de opressões. Nossa união é o desmantelamento de um sistema que nos coloca pra competir e recuperação de traumas que carregamos sem nos dar conta”, avalia em publicação no Instagram.

Fico pensando se seria possível tantas produções sobre essas relações caso se tratasse de quatro amigos – em enredos que não fossem de comédia. Talvez o encontro masculino ainda não abra espaço para trocas mais instensas e fique baseado na superficialidade (e nas piadas). É como pensar em grupos de WhatsApp. Mulheres costumam ter esse grupo com três ou quatro amigas em que compartilham suas dores e alegrias, analisam situações, discutem assuntos variados e se dispõem a ajudar numa necessidade.

A amizade feminina, ainda que o senso comum inflame uma disputa, costuma ser mais profunda, com partilhas e rede de apoio. Mulheres se unem nessa partilha cotidiana como forma também de suporte e sobrevivência. Num mundo que lucra com nossa baixa autoestima, com nossa rivalidade e com as opressões as quais somos postas diariamente, é no encontro entre, mais ou menos, três ou quatro amigas que seguimos firmes.

Seu grupo de WhatsApp pode ser, então, um ótimo enredo. Qual seria o título dessa história?