Bemdito

Há tanto amor fora da caixa

Intimidade e amor não precisam ser sobre dividir a mesma casa — e a mesma cama
POR Gabi Dourado
(Foto: Dainis Graveris)

Jadda e Will Smith disseram que mantêm um casamento aberto, com a possibilidade de encontros e relações para além do casal. Camila Pitanga terminou o namoro com uma mulher e hoje está se relacionando com um homem. Mariana Lima e Enrique Diaz, casados há mais de vinte anos, há dois resolveram morar em casas separadas e vivem um relacionamento aberto. Lan Lan e Nanda Costa estão prestes a ter filhas, com a atriz grávida de gêmeas.

Famosos, artistas e demais celebridades vêm declarando concepções de relacionamento que abrem um universo de possibilidades que saem da caixinha do padrão de um casal heteronormativo sob preceitos sociais e religiosos. Esses formatos mais diversos, claro, não são novos. Por exemplo, numa citação superficial da relação entre eles: Virginia Woolf era casada com Leonard Woolf e com a também autora e paisagista Vita Sackville-West.

Mas viver uma pandemia alterou todo o nosso curso, todos os planejamentos e tudo aquilo que achávamos que iríamos encontrar do mesmo jeitinho no dia seguinte. Do dia pra noite, tudo mudou. E já não sabíamos mais como seriam as próximas horas, avalie os próximos meses ou anos. Entre tantas experiências forçadas, houve, para muitos, o momento da reflexão sobre cada aspecto da vida, sobretudo os relacionamentos. Em um primeiro momento, um boom de separações. Conviver 24h com alguém, definitivamente, não é tarefa fácil e vários foram os relacionamentos que não suportaram. Compreensível.

Houve, como em uma sequência, vários anúncios de gravidez. Talvez, quem sabe, numa forma de encontrar a vida se fazendo seguir. Nascendo e crescendo à revelia de um contexto marcado pela dor. Um jeito que os casais encontraram, conscientes ou não, para ver os planos sendo acelerados ou o acaso chegando e mostrando que há ainda muita vida lá fora (e aqui dentro, sempre…).

Então, de alguma forma, cada relacionamento foi se encontrando em outros formatos, uma vez que foi quase inevitável não reavaliá-los. Seguir junto, seguir separado, unir-se ao ponto de gerar outro ser, perceber o que valia a pena, observar o que não mais valia, abrir, fechar, escancarar, conviver, conviver muito, conviver demais. Não há um namoro, casamento, paquera ou o que quer que seja que tenha se mantido igual. Se houver, por favor, me mostra. Eu não conheço.

O sociólogo Zygmunt Bauman refletia sobre a ideia de amores líquidos para falar de relações que se formavam apenas por uma frágil conexão passível de desencaixe por qualquer abalo. Mas o curso da vida durante esses tempos obrigou que essas relações se condensassem em tomadas de decisões mais intensas e com cargas de responsabilidade afetiva (e sanitária). Qualquer escapada fora de acordo poderia trazer consequências muito mais graves do que um coração partido.

Talvez, portanto, esses outros acordos nupciais expostos pelas celebridades mostrem que, após um impacto tão forte no nosso modo de ver a vida e o futuro, também se abre um leque de possibilidades onde já não cabe mais a hipócrita família tradicional brasileira composta por um marido, uma mulher e uma amante. Se mesmo os artistas — que ocupam um ambiente no qual a imagem é o cartão postal da profissão — mostram que o formato de seu relacionamento em nada atinge a sua capacidade, abre-se espaço para que a sociedade compreenda (mesmo que em passos lentos) que não há mais qualquer razão para não ir em busca de um espaço confortável, confiável e prazeroso em uma união.

A psicanalista Regina Navarro, em entrevista ao G1, reforça a ideia de que uma relação só pode ser satisfatória se houver um respeito total ao jeito do outro ser, do outro pensar, se comportar. E isso é tão diverso! “O amor romântico é idealizado, e isso pode estar acabando. Ele não tem nada a ver com mandar flores, tem a ver com as expectativas. O amor romântico é o oposto da individualidade”, afirma na entrevista.

“E [o amor romântico] está levando com ele a sua exigência básica, que é a exclusividade”, disse a psicanalista. “Outras formas de amar vão começar a crescer, como amor a três, poliamor, relações mais livres, mas vamos ter que esperar um tempo para poder ver isso”. Será?

Bom, Regina, talvez não precisemos esperar tanto. Jadda e Will mostram que casamento não é sinônimo de prisão e que fidelidade não tem a ver, necessariamente, com quem você beija ou transa. Camila, com a própria tuitou, relembra que o B da sigla é de bissexual e não de Beyoncé. Mariana e Enrique envidenciam que o espaço para a individualidade de um casal pode ser importante, inclusive fisicamente, e que a intimidade não precisa ser sobre dividir a mesma cama — nem a mesma casa.