Bemdito

GDE na espreita para retomar territórios perdidos

Fragilidade no Comando Vermelho, com atenções voltadas à guerra com “gangues” dissidentes, pode resultar em investidas da facção rival
POR Thiago Paiva
Foto: Alberto César Araújo

O racha entre membros do Comando Vermelho (CV) no Ceará, que fragilizou a atuação da facção no Estado, está sendo visto como uma oportunidade pela Guardiões do Estado, a GDE. A organização criminosa originada em Fortaleza, e maior rival local do Comando, estaria na “espreita” para avançar sobre os territórios outrora perdidos para o próprio CV.

Segundo fontes dos setores de Inteligência da Segurança Pública cearense ouvidos pela coluna, uma possível investida da GDE, buscando reaver suas áreas de atuação para o controle do tráfico de drogas, está sendo monitorada. “Eles perderam muito espaço com o avanço do CV nos últimos anos e, agora, estão na espreita. Eles sabem que a maior rivalidade e preocupação do CV, neste momento, é com o próprio CV, com seus dissidentes”, revela uma das fontes, de identidade preservada.

Conforme a coluna noticiou, com exclusividade, no último dia 22 de maio, o Comando Vermelho sofreu uma ruptura no Ceará. Identificados como “membros do Conselho CV”, criminosos que estariam presos em unidades de segurança máxima do Estado divulgaram um salve “entregando as camisas” e se tornando “neutros e massa carcerária”, em razão das insatisfações com a condução da facção no Estado.

Entre os motivos, foram citados o “derramamento de sangue de inocente”, a perseguição de familiares, a tomada de territórios, a execução de membros da organização, o abandono, a busca por autonomia e a desobrigação de “pagar caixinha” (as contribuições em dinheiro obrigatórias à facção). Nos dias seguintes, dissidentes e faccionados trocaram ameaças de morte. Pelo menos 10 delas foram concretizadas, na cidade de Caucaia, conforme apontou o repórter Lucas Barbosa, em reportagem publicada pelo jornal O POVO.

Órgãos de Inteligência do Ceará acompanham a situação e consideram um possível aumento dos homicídios no Estado em razão do novo conflito instalado. Havia a expectativa de adesão dos dissidentes a algum outro grupo criminoso, mas isso ainda não ocorreu. Segundo os investigadores, ainda não há “evidências” de uma migração.

Houve uma tentativa de criação de nova facção, a Lost, informação também antecipada pela coluna, no início do mês. Contudo, a iniciativa do grupo que era ligado ao CV, com atuação na comunidade do Oitão Preto, no bairro Moura Brasil, na Capital, não vingou.

Ruptura permanece

Por outro lado, também não houve recuo na decisão dos membros do Conselho de deixar a facção. Apesar de supostas articulações de líderes do CV de outros estados para reverter o quadro, a ruptura permanece. “Eles vão se segurar porque não tem mais volta. A guerra está instalada”, comenta outro investigador. Os dissidentes, agora, estariam atuando em “gangues”, como se organizavam esses grupos criminosos antes da chegada das facções ao Estado.

O modelo de atuação, contudo, não deve perdurar. “Eles devem se segurar por algum tempo. Mas, futuramente, podem migrar para outra facção, como o TCP (Terceiro Comando Puro). Eles precisam desse suporte maior e sabem disso”, completa.

Existe, contudo, um impeditivo à adesão ao TCP, o que traria mais uma rivalidade ao Ceará. Ele estaria na própria postura do CV, o que inclui seus dissidentes, de ter na “conduta moral” um total “desacordo” com as Milícias, criminosos que dominam a maior parte dos territórios para o tráfico no Rio de Janeiro, e que têm o TCP como aliado. Ambos são os maiores rivais do CV no Rio.

Resta saber, entretanto, em meio ao cenário nebuloso, até quando essa “incompatibilidade” irá se sobrepor aos interesses das gangues. Inclusive, um fator que pode inclinar o grupo à adesão é o fato de que as Milícias não atuam no Ceará.

“No Estado, Milícia mesmo, a gente não detecta. Tem alguns embriões, mas sem relação com a Milícia do Rio ou ligação com facção”, explica outra fonte, ao recordar ainda que o próprio CV já abrigou ex-membros de uma facção, a Família do Norte (FDN), criada no Amazonas, e que acabou sendo “extinta” do Ceará, após o enfraquecimento provocados pela prisão de seus líderes em operações da Polícia Civil.

Há ainda uma outra possibilidade, remota, mas também não descartada: a cooptação pelo Primeiro Comando da Capital, o PCC, que continua agindo “reservadamente”. É que a guerra nas ruas nunca foi o interesse da facção paulista, que tem viés de atuação considerado “empresarial”. Por este motivo, há quem considere menos provável que a facção traga para si os dissidentes, tomando parte numa briga com o CV, cujos novos líderes são considerados “ainda mais sanguinários”.

Thiago Paiva

Jornalista especializado na cobertura de segurança pública, política e judiciário, é assessor de imprensa e foi repórter especial no Núcleo de Jornalismo Investigativo do jornal O Povo.