Bemdito

Minha filha prefere o pai. E agora?

Fui, por um tempo, tudo para ela. E eu era ignorante e arrogante o suficiente para pensar que esse cenário era permanente
POR Cintia Bailey
Ilustração: Dad and daughter (Sandeep Pranoy)

Poucas coisas são piores do que entrar no quarto da sua filha para colocá-la para dormir e ouvir as palavras: “eu quero o papai…”.

Ou quando sua filha enche o pai de beijos no sofá e diz que o ama muito, com você bem ao lado. E, então, olha para você e diz com um pouco de desdém: “você também, mãe”.

Minha filha ficou pregada permanentemente no meu peito até completar um ano. O pai, sem leite, era inútil para ela. Então eu fui, por um tempo, tudo para ela. E eu era ignorante e arrogante o suficiente para pensar que esse cenário era permanente.

Surpresa! Tudo mudou e a mudança foi rápida e total. O amor dela pelo pai era como a necessidade de respirar, forte e constante.

Ao dividir minha lamúria, ouvi amigos dizerem que seus filhos passaram por estágios em que preferiam um dos pais em vez do outro. Eles também diziam que ser o favorito não é necessariamente uma coisa boa, porque atender a todas as necessidades do seu filho pode ser uma chatice.

Não há muita pesquisa sobre o tema da preferência dos pais, mas encontrei artigos falando sobre algumas evidências de que, quando as crianças estão chateadas, elas procuram o cuidador que passa mais tempo com elas, para se sentirem confortáveis, enquanto elas não mostram essa mesma preferência quando estão contentes. 

Isso provavelmente era verdade quando minha filha era mais nova e passava mais tempo comigo do que com o pai. No entanto, ela está com 10 anos agora e, desde que Covid-19 nos atingiu, tenho trabalhado como nunca no escritório, enquanto o pai dela trabalha de casa, passando muito tempo com ela. Assim, o favoritismo cresceu enormemente.

Explicações para o favoritismo

Bem curiosa (e, assumo, chateada), tentei procurar razões para isso. Talvez seja porque eu só falo com ela em português, e ela acha um pouco cansativo, já que o inglês é sua língua materna, na verdade, e a Inglaterra é a sua casa. 

O Brasil parece um pouco distante e ela não tem a mesma ligação. Talvez seja porque ela tem muito mais em comum com o pai do que comigo – ele é inglês (para começar!) e os dois adoram jogar videogames, jogar futebol etc. Talvez ele seja mais paciente do que eu? Talvez eu não seja tão legal quanto pensei que era?

Comecei a ler um pouco mais sobre isso, pois não havia nenhum sinal de que isso fosse apenas uma fase. E aprendi algumas coisas.

Em primeiro lugar, se uma criança se sente confortável rejeitando ativamente um dos pais, isso significa que ela está firmemente apegada. Ser capaz de rejeitar um de nós significa que ela sabe que o amor é incondicional.

Em segundo lugar, embora seja absolutamente doloroso, é fundamental não levar para o lado pessoal. Não devemos olhar para nossos filhos para construir nosso ego.

E terceiro, tenho certeza de que, quando ela atingir a puberdade, ela vai odiar nós dois, talvez até da mesma forma. Então, de repente, as coisas não parecem tão ruins assim.

Cintia Bailey

Jornalista e podcaster, trabalha com comunicação no Serviço Nacional de Saúde da Inglaterra e é criadora e host do podcast Chá com Rapadura.