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Racha no CV: Caucaia se torna epicentro de conflito entre facção e dissidentes

Após ameaças, 50 famílias foram expulsas de casa; elas começam a retornar após policiamento permanente
POR Thiago Paiva

O racha interno no Comando Vermelho (CV), no Ceará, tem Caucaia, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), como epicentro do conflito instalado entre dissidentes e remanescentes da facção. Conforme a coluna apurou, foi no município que o retalhamento de territórios do CV se deu de forma mais contundente. E é também na cidade que os chamados Neutros ou Massa, aqueles que se consideram independentes – sem vínculo com facções – estariam com o poderio mais consolidado após o rompimento.

Por este motivo, o CV tem investido em ataques no município, numa tentativa de reaver seus domínios, intensificando o conflito no local. A escalada de violência levou à expulsão, em junho último, de 50 famílias que viviam em uma comunidade conhecida como Uga-uga, no bairro Vila Nova. Uma rua inteira foi desalojada após ameaças de criminosos.

A ação se enquadra como mais um episódio do fenômeno dos “refugiados urbanos”, como são chamadas as pessoas que perderam suas residências, para além dos inúmeros prejuízos causados por esse deslocamento forçado, por ação das facções criminosas. Um drama para o qual ainda não há política pública específica.

As razões que levaram Caucaia a protagonizar os conflitos decorrentes do racha, no entanto, antecedem a ruptura. A instabilidade na cadeia de comando do tráfico na cidade teve início ainda em julho de 2020, quando o traficante Alban Darlan Batista Guerra, 25, foi morto durante um confronto com policiais civis do Rio de Janeiro. Ele teria reagido à abordagem dos agentes, que foram alertados sobre o deslocamento de Darlan àquele Estado pela Polícia Civil cearense.

Darlan era um dos criminosos mais procurados do Estado, tanto que o Governo do Ceará havia estabelecido recompensa de R$ 10 mil para quem tivesse informações que levassem à localização e prisão do traficante. Em Caucaia, ele comandava grande parte dos territórios pelo CV e liderava o Comando da Laje, grupo criminoso apontado como um braço do CV, e que por isso não é considerado uma facção propriamente dita pelas forças de segurança.

“A morte dele gerou uma reorganização do poder. No fim das contas, é isso que está em jogo, essa vontade de dominar”, analisa uma fonte ouvida pela coluna. O vácuo na liderança ocasionado pela morte de Darlan levou a uma reordenação do tráfico, movimento que se deu até o momento do racha na facção, em maio deste ano, noticiado com exclusividade pela coluna. O rompimento se somou aos conflitos de interesses anteriores.

Investigadores afirmam que não há estatísticas de quantos territórios ou membros o CV teria perdido após o racha, mas em Caucaia as perdas teriam sido maiores, seja pela extensão das áreas dominadas ou pela importância estratégica delas. A percepção, contudo, é que o movimento de saída para a Massa ainda é considerado pequeno.

“Apesar da independência no tráfico ser sedutora, a Massa em si ainda é pouco conhecida por eles e por nós mesmos que acompanhamos essa dinâmica. Além disso, no fim das contas, eles não podem se desconectar totalmente. Em algum momento, terão que se comunicar entre si, em uma hierarquia mais elevada, na chamada Sintonia Fina”, conta um policial, ao citar que há articulações neste sentido para a aquisição de insumos para o tráfico, por exemplo.

Expulsão de moradores

O episódio da expulsão de moradores é emblemático e traduz a situação do conflito na cidade. Segundo as investigações, a rua onde viviam as famílias expulsas é considerada um território agora dominado pela Massa, ao passo em que a via paralela está sob domínio do CV, o que eleva o nível da tensão e conflito. Este é o problema: a proximidade. A depender do “cabeça” ou liderança da área, bairros, quarteirões ou mesmo ruas foram “apartadas”.

“É a disputa pelo restabelecimento do território. O CV quer retomar. Por isso, deram a ordem para ‘deixar a rua livre’ na Uga-uga. Eles queriam que todos os moradores saíssem”, conta um agente. Na mesma via, dois homicídios foram registrados dias antes da expulsão.

Os mortos seriam membros do CV, e a facção reagiu. “Todos os moradores saíram. Parecia uma rua fantasma. Só havia o movimento de um caminhão e de carros retirando geladeiras, fogões. As pessoas estavam saindo de suas casas próprias e indo para assentamentos precários. Foi triste de se ver”, desabafa uma terceira fonte.

Dada a gravidade da situação, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) instalou uma base móvel da Polícia Militar no local e adotou ações multidisciplinares voltadas para a “estabilização da ordem pública”. Há o compromisso de que uma base permanente seja instalada nas proximidades da comunidade. Um trabalho de convencimento está sendo realizado e, aos poucos, os moradores estão retornando às suas casas. A Polícia Civil investiga quem são os autores das ameaças.

Thiago Paiva

Jornalista especializado na cobertura de segurança pública, política e judiciário, é assessor de imprensa e foi repórter especial no Núcleo de Jornalismo Investigativo do jornal O Povo.