Bemdito

O conflito de sempre, com algo novo

Nova disputa na Faixa de Gaza mostra que há violência dos dois lados e que a paz na região é o grande enigma de uma época
POR Simone Mayara
Foto: Ahmed Abu Hameed

Nova disputa na Faixa de Gaza mostra que há violência dos dois lados e que a paz na região é o grande enigma de uma época

Simone Mayara
simonempf@gmail.com

Para quem gosta de relações internacionais ou só é dado a assistir jornal, a noção de que sempre tem alguma coisa conflituosa no Oriente Médio é constante. Há períodos de alguma paz, mas uma paz armada e nunca totalmente silenciosa. Longe de mim conseguir apresentar todo o complexo cenário que vem do Gênesis. Abraão é um personagem bíblico citado no Gênesis a partir do qual teriam se desenvolvido as religiões abraâmicas, as principais vertentes do monoteísmo: o judaísmo, o cristianismo e o islamismo. Mais que as religiões, os povos. Da relação com Sara, sua esposa, o povo judeu e com a escrava Agar, o povo árabe. Há referências a isso nos três livros de base das religiões.

Mas, saiamos do Velho Testamento e vamos direto para o fim da Segunda Guerra Mundial, com tragédias dignas daquele livro, inclusive. Após o conflito, um dos resultados foi a criação do Estado de Israel, fruto do movimento sionista de volta dos judeus espalhados pelo mundo à sua terra. Sim, naquele período de tempo que pulei ali em cima houve várias diásporas. Ou seja, o povo que estava naquela região foi expulso. Trato assim como região porque os desenhos de países no Oriente Médio como um todo seguem lógicas um pouco distintas e alterações milenares. Mais recentemente na história, houve o Acordo Sykes-Picot, firmado durante a Primeira Guerra Mundial, secreto por algum tempo, que desenhou fronteiras de acordo com interesses dos aliados.

O conjunto disso tudo nos traz aos últimos acontecimentos. A escalada de violência entre a Faixa de Gaza e Israel, nos últimos dias, iniciou com as ações do Hamas na segunda feira, mais especificamente as Brigadas de Al-Qassan – braço armado e paramilitar do grupo Hamas que adota táticas terroristas. Desde 2007, o Hamas ocupa o governo da Faixa de Gaza. O grupo é um movimento islamista palestino de orientação sunita, formado por um braço político e um braço armado reconhecido por diversos países como grupo terrorista. A Palestina é uma região reconhecida por poucos países como Estado.

Aqueles que fazem atividades terroristas na região alegam abusos de Israel, desde o deslocamento de algumas pessoas de suas casas para a chegada dos judeus em 1948, até as acusações contemporâneas de limitação de chegada de comida e água – inclusive vacinas, na atual pandemia. Os ódios milenares fermentaram mais uma vez e, na segunda-feira, os ataques começaram. Desde então, só aumentam. A verdadeira chuva de foguetes lançados pelo Hamas a partir da fronteira com Israel foi interceptada em 90% e os ataques foram respondidos. Por um dos exércitos mais eficientes do mundo. Isso é outra coisa sobre Israel: encravado entre inimigos declarados, o país investe muitíssimo em sua defesa e desenvolveu tanto um exército preparado em recurso humano, quanto em tecnologia.

Devido ao histórico de conflitos reiterados, Israel se especializou em defesa. O serviço secreto é exemplar, as forças armadas, até os dentes. E, na última semana, ganhou espaço sua capacidade antiaérea: Iron Dome. Em português, algo como “redoma de ferro”, com capacidade de explodir ainda no ar os foguetes lançados pelo Hamas antes de atingir a sua população. O instinto de sobrevivência preparou Israel para se defender da melhor forma possível. E também responder. Muito mais preparado, o país respondeu e bombardeou a Faixa de Gaza. Alguns vídeos divulgados pelo país afirmam que o Hamas esconde parte de seu arsenal dentro de áreas civis, o que justificaria os alvos. Gaza nega, afirmando que a escolha de alvos que aumentam o risco de atingir civis é simplesmente maléfica. Para quem já leu os Acordos relacionados ao Direito da Guerra, causa arrepios.

O primeiro ministro israelense, Benjamin Netanyahu, acaba de sofrer uma derrota política. Mas é um líder forte e ter uma guerra para demonstrar isso pode ser o que falta para seu partido, Likud, voltar a ser bem visto e permanecer no cargo. No lado palestino, o Hamas vê na situação a chance de assumir o posto de defensor dos palestinos, principalmente depois do adiamento das eleições pelo chefe da autoridade palestina, o presidente Mahmoud Abbas, do partido rival Fatah.

Enquanto isso, no Brasil, dois Acordos que facilitariam o investimento e a troca de tecnologia entre Israel e Brasil – sejamos realistas, muito mais deles que nossas – tiveram sua discussão para a ratificação pelo Legislativo suspensa, pois alguns deputados afirmam que seria legitimar o mau comportamento do país. Não é nova a abstração da moldura simplista “oprimido-opressor” aplicada ao conflito. A argumentação, como em todas as vezes que essa moldura é utilizada, é rasa. Dispensa o aprofundamento na questão e o transforma em frases de efeito um conflito milenar. Imagens de crianças palestinas mortas são veiculadas, mas na Era da Informação, também as imagens da chuva de foguetes interceptados circulam com a mesma facilidade, bem como discursos antissemitas e agressões aos direitos humanos e dos LGBTQ+ no lado palestino, o que dificulta fazer o teatro de vilão e herói, incompatível com uma situação cheia de nuances.

A paz na região é o grande enigma de uma época – de várias talvez – e é tudo menos uma situação simples de reduzir em palavras de efeito.

Simone Mayara é Analista Política no Instituto Livre Mercado. Está no Instagram.

Simone Mayara

Analista política, é especialista em Direito Internacional e Mestre em Direito Constitucional e Teoria Política. Atualmente é sócia na consultoria de diplomacia corporativa Think Brasil.